Concorrência acirrada entre montadoras elevou número de recalls no mundo: problemas com airbags são a principal demanda
Concorrência acirrada entre montadoras elevou número de recalls no mundo: problemas com airbags são a principal demanda | Foto: Shutterstock



O número de campanhas de recall de automóveis vem ano a ano em uma crescente. Essa é a análise de Hélio Cardoso, especialista em perícias envolvendo veículos automotores e membro do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo (Ibape/SP). Segundo ele, em 2016, as fabricantes realizaram 196 recalls, alta de 5% em relação ao ano anterior. E a tendência é que o número cresça ainda mais: só neste ano, foram realizados outros 12 chamamentos. Os dados são do próprio Ibape/SP. A assessoria de imprensa do Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que os seus números consolidados de recalls do ano passado ainda não foram fechados.

Cardoso explica que os recalls são realizados após a fabricante detectar uma mesma falha com constância nos seus modelos de veículos ou após a ocorrência de acidentes ou das mesmas reclamações de clientes nas concessionárias. Uma das causas para o aumento dos recalls ano após ano, para o especialista, é a "concorrência acirrada entre montadoras". "Vinte anos atrás, entre o projeto e o lançamento de um veículo havia um intervalo de cinco anos. Hoje isso não é mais possível. Todas as montadoras querem fazer o lançamento rapidamente para a concorrência não tomar aquele nicho de mercado."

Outro motivo para o crescimento no número de recalls é a necessidade de redução dos custos de produção. Se "antigamente" eram feitos testes com peças de veículos que chegavam de terceiros, hoje, as fabricantes de carros apenas adquirem e usam peças com "qualidade assegurada" por meio de certificações. "Antigamente, as montadoras compravam peças de terceiros, levavam para testes em laboratórios e se tivesse algum defeito devolvia ou mudava de fornecedor. Hoje as montadoras aceitam produtos de ‘qualidade assegurada’."

Imagem ilustrativa da imagem Número de recalls cresce, mas atendimento a chamados não



Airbags

"Hoje o principal problema (de recalls) são peças", afirma Cardoso. Segundo ele, problemas com airbags são o principal motivo para recalls no mundo. Em um desses casos, o componente lançava partículas metálicas contra o rosto das pessoas quando acionado.
Ainda segundo o especialista, no Brasil há pouco rigor sobre os recalls. Apenas itens de segurança geram o chamamento, e as indenizações são pequenas. "Lá fora, se paga indenizações milionárias. No Brasil existem multas, mas tão pequenas que vale mais correr o risco legal." Para Cardoso, deveria haver uma agência reguladora específica para acompanhamento de recalls e campanhas educativas para que os consumidores atendam ao chamamento das fabricantes. Em 2016, apenas 13% dos consumidores atenderam aos chamados das montadoras, afirma. Para ele, o fato de os brasileiros terem cada vez "menos tempo" e de o número de concessionárias estarem diminuindo são motivos para o baixo atendimento dos consumidores aos chamamentos.

Riscos são ‘irreparáveis’

Os riscos de não atender a um chamado de recall são grandes e os seus efeitos, muitas vezes, irreparáveis, ressalta Maria Inês Dolci, diretora institucional da Proteste, entidade ligada aos direitos do consumidor. "É questão de segurança. (Não atender ao chamamento) Pode causar acidentes graves, sérios danos familiares e perdas irreparáveis." Para Maria Inês, muitos consumidores não atendem aos chamados de recall por não verem importância no chamado, não terem acesso à informação ou pela demora na reposição da peça pelas oficinas das concessionárias.

"O chamado de recall, pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, tem que ser amplo nos meios de comunicação que o consumidor tem mais acesso", explica Maria Inês. No entanto, ela também sugere que as próprias concessionárias convoquem seus clientes para o reparo. Além disso, alerta que as concessionárias precisam ter no estoque peças suficientes para reposição em caso de chamamento para recalls. Ela relata que são comuns casos em que os consumidores têm que esperar um longo período de tempo por uma peça a fim de fazerem o reparo de seus veículos.

Na opinião da diretora da Proteste, o Ministério da Justiça já efetua trabalho de acompanhamento de recalls das fabricantes de carros. O que é preciso é um aperfeiçoamento das ferramentas para melhorar esse trabalho. Na visão de Hélio Cardoso, do Ibape/SP, a convocação dos recalls também deveria ser mais efetiva que o anúncio na mídia. "O ideal era que cada um recebesse em sua casa uma carta. Mas a montadora não tem o controle de quem foi o último dono, e ela alega que o governo é que deveria ter esse controle." O Ministério da Justiça e Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também foram procurados pela FOLHA para comentar o assunto, mas não deram retorno até o fechamento da edição.(M.F.C.)