Para os donos dos carros mais modernos, não ler o manual significa "pagar para não usar"
Para os donos dos carros mais modernos, não ler o manual significa "pagar para não usar" | Foto: Ricardo Chicarelli



Os motoristas brasileiros se dizem apaixonados por carros, mas a força desse sentimento é inversamente proporcional ao entusiasmo pela leitura do manual do proprietário. Segundo profissionais do mercado automobilístico, praticamente todos os condutores desconhecem o conteúdo disponibilizado pelo fabricante e, em virtude disso, arcam com o prejuízo da displicência.
"Desconhecendo que seu veículo tem um mecanismo start-stop de economia de combustível, um motorista pode vir a colidir com outro veículo se soltar o freio no momento em que o seu carro desliga em um semáforo", exemplifica o coordenador do curso de especialização em engenharia automotiva e professor há 31 anos da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Jorge Luiz de Sá Riechi.
Segundo ele, a falta de conhecimento do conteúdo dos manuais pode provocar redução da vida útil de alguns componentes, aumento no consumo de combustível por perda de performance, desperdício de funcionalidades, além de risco de acidentes.
Riechi conta que há alunos dos cursos de engenharia que se dedicam exclusivamente a confecção de manuais, dada à importância dessa ferramenta. Apesar de o motorista não ler, o esforço dos estudantes não é desperdiçado porque os manuais são lidos pelos funcionários das concessionárias que repassam parte do conteúdo aos compradores. "Aliás, seja para carros novos ou mais antigos, a grande indicação que fazemos àqueles assumidamente preguiçosos com a leitura é que, ao adquirirem um automóvel, solicitem uma entrega técnica ", indica Riechi.
A entrega técnica, que costuma ter uma hora de duração, foi concebida para trazer as principais informações do manual. "Em nossos treinamentos, sabemos que o momento da entrega das chaves é de baixa retenção de informações, dada a euforia da compra do veículo, porém, temos em mente que cada momento com o cliente é uma oportunidade de repasse de informações. Além de proporcionar mais segurança, quanto mais o cliente souber, maior será a satisfação com o produto que estamos vendendo para ele", explica o diretor de pós-venda do Grupo Servopa em Curitiba, Carlos Bezerra.
Ele explica que o antídoto dos fabricantes para a falta de leitura é vincular a garantia do veículo ao cumprimento do plano de manutenção, que determina os prazos de revisão de cada modelo. "O curioso é que, até durante o atendimento da revisão, verifica-se o fraco interesse pelo manual de instruções. Tanto que muitos clientes acabam solicitando garantias de itens com desgaste natural como pastilhas de freio, embreagem e bateria", comenta.
Pelas lojas do grupo, segundo ele, passam 12 mil motoristas por mês e o momento de cada revisão é encarado como processo de formação do proprietário do veículo. "Diferentemente da compra que tem toda a euforia dispersando a atenção, quando o cliente vem para a revisão, ele está atento para receber orientações, para evitar gastos. E é tamanha a convicção do fabricante que o maior conhecimento garantirá melhor uso e plena satisfação do cliente, que as revisões entram de cortesia para quem cumpre o plano de manutenção", afirma o diretor.
Situação bastante comum, de acordo com ele, é o cliente que faz pouco uso do veículo e não lê o manual ser surpreendido na primeira revisão com a necessidade de trocar o óleo. "Comentários do tipo 'eu nem usei o carro' são os mais comuns. Só quem lê o manual ou tem experiência que sabe que o óleo precisa ser trocado devido ao risco de seus agentes químicos terem perdido suas características durante o intervalo de cada revisão, que é determinado por quilometragem rodada ou por tempo", esclarece Bezerra.
Outra crença que não corresponde à verdade e é elucidada no capítulo do manual que trata sobre óleo, é que na cidade o carro tem menos desgaste. "Muitos clientes se surpreendem em ter quer trocar o óleo porque dizem rodar apenas na cidade. Só que o movimento de andar e parar constantemente exige muito mais do veículo do que o fluxo mais contínuo em uma estrada", conta.
Outro recurso usado pela concessionária para driblar a falta de leitura é convidar os clientes a participarem de cursos rápidos de mecânica, de quatro horas de duração. "Faz 10 anos que promovemos tanto o cursos geral quanto o de turmas para mulheres e sempre damos um jeito de trazer informações contidas no manual do proprietário."

FUNCIONALIDADES
O professor da UTFPR Jorge Luiz de Sá Riechi ressalta que, com as novas tecnologias embarcadas, não ler o manual pode fazer o proprietário pagar por funcionalidades sem usá-las. "São muitos os recursos oferecidos e que poupam trabalho ao motorista, como mecanismo que auxilia no estacionamento do veículo, que os donos acabam deixando de lado por não lerem o manual", constata.
Além de pagar para não usar, quem desconhece o conteúdo do manual do proprietário encurta a vida útil do veículo. Pneus, por exemplo, deveriam ser calibrados todas vez que o carro é abastecido. "Também é no manual que se descobre qual o limite de carga que cada pneu suporta, justamente para não estourar. E um detalhe pouco conhecido: a necessidade de rodar 600 quilômetros para um encaixe perfeito do pneu para proporcionar segurança a quem partir em viagem longa", ressalta Carlos Bezerra.
Ele diz que muitas pessoas trocam o pneu justamente para viajar sem levar em conta essa quilometragem de ajuste. "Isso sem contar que há uma otimização do combustível quando o carro é utilizado de forma adequada", complementa.