Pollyanna Oliveira conta que a filha Alice demorou cerca de dois meses para se acostumar com a rotina escolar; depois das férias teve mais alguns dias de "chororô"
Pollyanna Oliveira conta que a filha Alice demorou cerca de dois meses para se acostumar com a rotina escolar; depois das férias teve mais alguns dias de "chororô" | Foto: Marcos Zanutto



Se o desconhecido gera insegurança em muita gente grande, nas crianças o processo de adaptação a uma nova situação é ainda mais intenso. E a primeira delas é, quase sempre, a entrada na escola, quando a criança rompe os limites familiares para experimentar um nível mais elevado de socialização. O desconforto dessa ruptura pode se manifestar das mais variadas formas, desde mudanças no comportamento até sintomas fisiológicos.

"A criança pode apresentar choro excessivo, queixas de dor de barriga, irritabilidade, sono e apetite alterados, comportamento agressivo ou muito retraído", conta a psicóloga infantil Adriana Lot Dias. Segundo ela, a dificuldade de adaptação é comum entre crianças de um ano e meio até seis anos de idade. "As crianças menores podem ser mais afetadas, pois é comum viverem o que chamamos de ansiedade de separação dos pais. Elas podem ficar preocupadas de serem esquecidas na escola ou de passarem por alguma dificuldade e os pais não estarem por perto", explica.

Mas o problema também pode ocorrer numa ocasional mudança de escola, com as crianças maiores, que novamente enfrentam o desconhecido ao encontrar novos professores, novos colegas e um ambiente diferente. "Eles sentem falta da companhia dos colegas da escola anterior, receio de não serem acolhidos ou de não se adaptarem às novas regras", diz a psicóloga.

Esses conflitos podem trazer insegurança também para os pais, que muitas vezes não sabem como lidar com a situação. A dica da especialista é estimular a criança a superar as dificuldades de adaptação. "É importante que os pais conversem com a criança e acolham os sentimentos dela, reconhecendo que não deve ser fácil para ela, mas dizendo que logo ela vai gostar do lugar, que vai conhecer amiguinhos e se divertir", orienta. Segundo ela, o momento da despedida entre pais e filho é muito importante e deve existir, de forma breve, com um beijo e a garantia de que logo voltarão para buscá-la.

PREPARAR PARA MUDANÇAS
É possível e necessário preparar a criança para o momento da ruptura. Isso, segundo Adriana, deve ser feito de forma gradual e tranquila para não transmitir ansiedade. "Levar a criança para conhecer a escola, conhecer os profissionais e, principalmente, a professora, brincar no parquinho, conhecer a sala de aula vai trazer conforto e segurança para ela", sugere. "Envolvê-la na organização da mochila, na compra do uniforme e oportunizar momentos em casa para brincar de escolinha e simular algumas situações que ela poderá encontrar pode ajudar", acrescenta. O mesmo vale para crianças que mudam de escola.

O período de adaptação, segundo a psicóloga, costuma durar de duas a três semanas, dependendo da escola, da família e da própria criança. A forma como ela é criada pode interferir muito nesse prazo. "A criança que não convive com outros adultos e crianças e que está acostumada só com os pais pode sofrer mais com a separação. A superproteção pode dificultar o processo de adaptação", afirma. Por isso, é importante que os pais habituem a criança a ficar com outros adultos, como avós ou tios, e que ela veja os pais saindo e voltando dos lugares. "Crianças que não têm oportunidades de experimentar pequenas frustrações em casa, que não têm rotina, que não convivem com regras e limites desde cedo, podem ter mais dificuldades na escola", pondera a psicóloga.

Se depois de algumas semanas, a criança ainda apresentar "sintomas" de não ter se adaptado, a família deve cogitar uma alternativa. Segundo Adriana, os pais precisam estar atentos às reações diárias da criança e buscar auxílio da equipe pedagógica da escola. "Se depois disso não conseguirem amenizar os sintomas, os pais devem considerar uma mudança de escola", alerta.

Acolhimento como ponto de partida para adaptação
Com 25 anos de experiência na área da Educação, o coordenador psicopedagógico dos ensinos fundamental I e II do Colégio Marista, Moacir Stivanin, considera que o acolhimento é essencial para que pais e educandos se sintam seguros no novo ambiente. "Nós nos preocupamos primeiramente em conhecer a família, a criança ou o adolescente e também preparamos a turma da qual vai fazer parte." Stivanin explica que novos alunos são convidados a conhecer as novas dependências e esse é momento importante pois ao entrar em contato com a biblioteca, os laboratórios e os espaços para atividades esportivas, esse novo aluno fica à vontade. "E interage", reforça. "Parece uma coisa simples, mas funciona".

Stivanin também esclarece que os pais devem estar cientes e confiantes da proposta pedagógica da unidade para que passem segurança aos filhos. "Os pais precisam ter clareza de sua decisão e jamais deixar para o filho essa responsabilidade da escolha sobre uma evental mudança - porque muitas vezes não há preparo para tal." Na hora de matricular o filho ou de mudar de escola, Stivanin reconhece que as dúvidas dos pais variam: "Até os 10 anos de idade, a dúvida dos pais é se os filhos vão conseguir se adaptar às mudanças, já no ensino médio, os pais têm dúvidas sobre a rotina de estudos e os desafios que virão pela frente, como o vestibular." Independentemente do motivo da mudança de escola ou da nova etapa escolar, Stivanin valoriza a união de esforços dos pais e da escola. "É muito importante que os ideais da família vão ao encontro da escola e, juntos, firmem uma parceria. Os pais devem enxergar a escola como parceira pois queremos preparar seus filhos para os desafios que a vida irá trazer. E quando isso acontece, a adaptação flui", conclui.

A escola também papel fundamental na fase de adaptação dos alunos. A equipe deve ser acolhedora e ter paciência, afetividade e humor para cativar a criança. E cada estabelecimento define uma estratégia para enfrentar esse primeiro contato. "Algumas escolas optam por permitir que os pais fiquem na sala de aula nos primeiros dias. Nós não permitimos porque consideramos que a adaptação começa no momento da ruptura. Enquanto esse pai não for embora, ela não começa a se adaptar. Quando ele sair, a criança vai chorar, é só um adiamento", explica a psicopedagoga Márcia Rigoldi, orientadora educacional da Escola Educativa.

Outra estratégia adotada pela escola é o avanço gradual na carga horária. No primeiro dia a criança fica apenas uma hora na escola e esse tempo vai sendo aumentado a cada dia, até atingir a carga horária total, duas semanas depois. "Essas duas primeiras semanas são o período mais crítico da adaptação. Mas consideramos como adaptação o período de dois meses. Normalmente, depois de dois meses, eles esquecem até de dar tchau para os pais quando chegam na escola", conta a orientadora.

Dois meses foi o tempo necessário para que a pequena Alice Marciano, de três anos, se acostumasse com a rotina escolar no início de 2017. "Já começava em casa, ela não queria colocar o uniforme porque associava com a escola. Depois chorava, não queria ficar lá. Tive que ser firme", conta a mãe, Pollyanna Oliveira. Um mês de férias em julho já foram suficientes para que novamente ela tivesse dificuldades em se separar da mãe na volta às aulas. "Ela deu trabalho de novo, mas o chororô durou só alguns dias", conta a mãe. (J.G. / colaborou Walkiria Vieira - Grupo FOLHA)