Porto Rico - Em uma modesta sala localizada no centro da pequena Nova Londrina (Noroeste), o advogado Getúlio Braz Anziliero começa a desfiar anos de pesquisas autônomas movidas apenas pela paixão pela história do Sul do Brasil. Gaúcho orgulhoso de suas raízes, ele conta que ainda pequeno subia no colo do pai, João Anziliero, que narrava suas façanhas como integrante das forças legalistas e de quando ajudou a garantir a posse de Getúlio Vargas como presidente, em 1930. O nome, aliás, foi uma homenagem ao líder.
Em sua pesquisa, o advogado conseguiu no Arquivo Público do Estado de São Paulo cópias de correspondências trocadas entre revolucionários, fotos de uma embarcação apinhada de combatentes revoltosos, semelhante às que foram resgatadas, e escreveu a narrativa histórica dos conflitos no Rio Paraná, desconhecida hoje por boa parte dos historiadores paranaenses. Segundo ele, o sangue de mais de 500 combatentes, de ambas as partes, tingiu de vermelho a região.
Anziliero conta que em julho de 1924, os revoltosos paulistas, acuados pelas tropas legalistas, decidiram marchar para Oeste, rumo à foz do Paranapanema, com o intuito de alcançar Mato Grosso. Combalidos, eles previam contar com o apoio de tropas do Sul, que tentavam subir por Foz do Iguaçu e Guaíra. Mas tiveram de recuar diante do bloqueio que enfrentaram em Três Lagoas (MS).
Fracassados os planos de invasão do Mato Grosso, as forças rebeldes se reorganizaram em Porto Tibiriçá (atual Presidente Epitácio, em São Paulo), visando a conquista de Guaíra. O batalhão do major Joaquim Távora foi reforçado pelas companhias Gwyer e Azhaury e pela Companhia de Artilharia liderada pelo capitão Felinto Muller. O efetivo total chegava a 570 homens, mas o major Távora relata, em carta, um grave revés antes do início da marcha: ''Deixava o batalhão, no campo de combate, entre mortos, feridos e prisioneiros, um terço de seu efetivo, aí incluídas as duas seções de metralhadoras pesadas.''
Mesmo assim, iniciaram a descida do Rio Paraná uma semana depois. ''O comandante Dilermando, das Forças Legalistas, sabendo disso, posicionou tropas na foz do Paranapanema, no Porto São João, e mais cerca de 200 homens no Porto São José'', revela Anziliero. Os dias que se seguiram foram de intenso combate. ''Entre o Porto de São José e o Porto Mendes (atual Querência do Norte), um trajeto de dois dias demorou 15 dias para ser percorrido pelos revoltosos'', completa o advogado.
As tropas legalistas ergueram postos avançados nas margens e surpreenderam os revoltosos, que contavam com pelo menos cinco embarcações, que não conseguiam avançar. Provavelmente foi nesses combates que as embarcações dos militares rebelados (as duas recuperadas agora) foram afundadas. As marcas dos tiros permaneceram aparentes nos cascos. Dentro, além de objetos e projéteis, também foi recuperado um pedaço de fêmur.
Os combates nas margens e nas ilhas do Paraná seguiram intensos por semanas, até que as forças revolucionárias decidiram dividir-se: um destacamento seguiria rio abaixo, enquanto outros iriam por terra para surpreender os governistas entrincheirados nas margens. A estratégia rendeu a conquista de Porto São João e Porto São José, no final de agosto. Duas semanas mais tarde, usando uma lancha conquistada da Companhia Mate Laranjeira S/A, os revoltosos chegaram a Guaíra. Acuado, o capitão Dilermando fugiu e abriu caminho para que os revolucionários chegassem a Foz do Iguaçu, no fim de setembro.