Curitiba - Curitiba foi fundada no século 17, mas pouco se sabe sobre sua gente desses primeiros cem anos de vida. Histórias da vida da população da cidade vêm sendo montada aos poucos, por meio de pesquisas pontuais e ocasionais feitas por bravos antropólogos, que em geral aproveitam a abertura de valas para execução de obras de infra-estrutura, como canalizações para rede de água, coleta de esgoto, cabos de fibra ótica, energia elétrica e gás para descobrir um pouco do passado enterrado pela terra.
''Pesquisas na Região Metropolitana de Curitiba revelam que os índios foram os ocupantes mais antigos'', conta o professor e arqueólogo Igor Chmyz, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (Cepa) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), departamento que completa 50 anos em 2006, com uma história que se destaca nacionalmente pelas pesquisas de campo realizadas não apenas pelo Paraná, mas também em outros estados.
Em Curitiba, há poucas referências anteriores à criação do Cepa. ''Achados ocasionais atestam a presença de populações indígenas no perímetro da cidade. Artefatos de pedra encontrados por funcionários da prefeitura municipal, em 1955, durante as obras na rua Julia Wanderley, próximo ao colégio Marcelino Champagnat, foram recuperados... Dez anos mais tarde, quando obras urbanísticas estavam em andamento nas ruas Marechal Deodoro e XV de Novembro, mais artefatos indígenas foram encontrados'', escreve o antropólogo em publicação sobre os trabalhos desenvolvidos pelo departamento.
Sítios arqueológicos mostram que provavelmente por volta do ano 2000 A.C. (Antes de Cristo), viviam no primeiro planalto do Estado, na região onde Curitiba seria fundada, índios caçadores-coletores, os quais foram substituídos por grupos ceramistas e hosticultores. A diferença entre esses dois grupos é que os primeiros só predavam a natureza, ou seja, apenas retiravam da natureza o que precisavam para a subsistência, enquanto os outros também plantavam e produziam seu alimento.
Entre os horticultores, havia duas famílias indígenas bastante diferenciadas: os índios Jê, dos quais descendem os kaingangues, povos que vivem atualmente em reservas indígenas no Paraná, e os índios tupi-guarani. Pesquisas arqueológicas mostram que quando os primeiros europeus chegaram a Curitiba, no século 16, os índios ceramistas ainda viviam no local. Os índios Jê, de acordo com Chmyz, eram mais refratários, e acabaram se refugiando em áreas afastadas. Já os índios tupis-guaranis passaram a ajudar os ibéricos, o que resultou em uma inevitável miscigenação e aculturação dos índios.
Prova dessa convivência harmoniosa foi atestada em dois trabalhos recentes de escavação, em 2004 e 2005, em dois terrenos da rua Mateus Leme, situados em pleno Centro Histórico. Ali, foram encontrados fragmentos de cerâmicas produzidas pela população de Curitiba, que herdou a técnica e formas utilizadas pelos tupis-guaranis.
As pesquisas na Mateus Leme foram umas das poucas oportunidades para que os arqueólogos conseguissem se debruçar sobre evidências colhidas na região onde a capital teve início. Nos dois casos, edificações modernas foram demolidas para dar lugar a outros edifícios: o Cenáculo dos Adoradores, nos fundos da Igreja da Ordem e, no terreno em frente, o Centro Juvenil. Antes do início das novas construções, os pesquisadores puderam esquadrilhar o chão e escavar o solo atrás de evidências do passado.
''Até o fim do século 19 Curitiba não tinha coleta de lixo. A população armazenava o lixo no fundo do quintal e ali enterrava'', diz Chmyz, ressaltando que o lixo constitui um tesouro para os arqueólogos. As pesquisas da Mateus Leme revelaram lixo enterrado no século 19, e mais fundo no século 18. Foram recuperados o esqueleto de um grande cão, enterrado no século 19, cerâmicas produzidas pela população com técnica tupi-guarani, material vindo da Europa, como a faiança da cidade portuguesa de Coimbra, e louças da Inglaterra, nas camadas mais superiores, além de peças metálicas e de vidro.