Não existe sociedade sem meio ambiente, precisamos de matéria e energia para sobreviver, defende especialista
Não existe sociedade sem meio ambiente, precisamos de matéria e energia para sobreviver, defende especialista | Foto: Shutterstock



"A economia cresceu e isso está apenas começando. Vamos crescer e não vamos perder empregos. Pela gente deste país, saímos do acordo (de Paris)". O mundo entrou em choque com essa declaração do presidente dos EUA, Donald Trump, no início de junho, quando ele anunciou a saída dos norte-americanos do Acordo de Paris, aprovado por 195 países, cujo principal objetivo é reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) no contexto de um desenvolvimento sustentável para o planeta.

Na cabeça do polêmico presidente, crescimento econômico não está necessariamente ligado às questões ambientais. Para ele, são assuntos completamente distintos. Mas a realidade nua e crua é que o modelo econômico vigente no planeta, de forma conceitual, de fato não se preocupa com o meio ambiente. O leitor já parou para pensar qual é o peso das questões ambientais na formação de políticas econômicas de países, estados, cidades, ou mesmo empresas? São casos de exceção, é como achar agulha no palheiro. Trump, na verdade, não está sozinho.

E foi a partir dessa inquietação ainda na década de 1970 – de que o modelo econômico vigente não inclui a dimensão ambiental na tomada de decisões – é que nasceu o conceito de economia ecológica. "Precisamos incluir de maneira necessária na análise econômica uma dimensão ambiental e social. A dimensão ambiental é transversal, ou seja, não é uma área exclusiva de discussão, mas está presente em toda e qualquer discussão. Não existe sociedade sem meio ambiente. Precisamos de matéria e energia para sobreviver.

O sistema econômico é uma criação humana para produzir bens e serviços para a sociedade. Não existe, portanto, sistema econômico sem meio ambiente, porque não se produz nenhum tipo de bem ou serviço sem recursos naturais", conceitua o professor do departamento de economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diretor regional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Junior Ruiz Garcia, que ministra palestra no Encontros FOLHA sobre o assunto.

Dados levantados pelo professor, baseado num índice chamado GPI (Índice de Progresso Genuíno), conceito criado pela economia ecológica, mostram bem a importância primordial de incluir fatores ambientais e sociais na economia. Neste índice, além dos fatores econômicos, aplicam-se custos e benefícios ambientais e sociais. "Em 1970, para cada R$ 1 de PIB gerado, nós tínhamos um custo ambiental e social na ordem de R$ 0,44, ou seja, um benefício líquido de R$ 0,56. Em 2010, para cada R$ 1 de PIB gerado, agora o custo é de R$ 0,56. Ou seja, o custo ambiental e social para ter R$ 1 de PIB aumentou ao longo desses 40 anos e a tendência é que continue crescendo", explica Garcia.

Na prática, o que se percebe, portanto, é que surpreendentemente o meio ambiente não é considerado pela economia. Tudo isso é debatido ainda de maneira muito marginalizada. A teoria econômica dominante ensinada hoje no Brasil e no mundo, nas universidades inclusive, não considera por exemplo mudanças climáticas, aquecimento global, perda de diversidade ou desastres ambientais de qualquer natureza. "Faça uma visita aos cursos de economia pelo País e peça aos professores de três disciplinas chaves - introdução à economia, microeconomia e macroeconomia - que formam a base de um economista, e verá que essas três disciplinas ignoram a dimensão ambiental. O economista vai para o mercado sem saber que essa discussão está em pauta: o papel da dimensão ambiental na dinâmica econômica e na sociedade".

Teoria do Abismo: sociedade não conseguirá conviver com custos ambientais e sociais

A negligência em inserir uma agenda ambiental na tomada de decisão dos agentes das políticas econômicas – sejam públicas ou privadas – fez com que o professor Junior Ruiz Garcia criasse a chamada "Teoria do Abismo". Nela, projeta-se que em determinado momento a sociedade não conseguirá conviver com os custos sociais e ambientais. "Hoje a Teoria do Abismo é presenciada em experiências locais, como o desastre de Mariana (MG), no Rio Tietê ou no acidente nuclear em Fukushima, no Japão", explica ele.

A grande questão apontada por Garcia é que em determinado momento essa mudança pode ser abrupta e em nível global. Ele relembra o ano de 2008, quando houve uma explosão no valor das commodities e uma crise alimentar no Oriente Médio. "Foram várias revoluções socais e pagamos o preço até hoje. Alimento é um item básico e nada o substitui. Pense isso numa escala generalizada, com a população sem acesso a água, alimento ou energia – todo o desenvolvimento tecnológico que tivemos nos últimos três séculos não vale nada. Qual o valor de um celular ou um carro sem energia? Vira lixo. Se perdermos a segurança energética, é o fim da sociedade moderna". Ele cita ainda outros casos preocupantes, como as quebra de safra a níveis volumosos, que podem gerar uma crise econômica, inclusive entre os produtores para as safras seguintes. "Não temos seguro agrícola para atender a todos", decreta.

Para reverter esse cenário, sem exageros, apocalíptico, Garcia cita várias estratégias propostas pela economia ecológica. A curto prazo, uma proposta é a reformulação do ensino de economia, incluindo a dimensão ambiental de forma explícita. "Na política econômica, tanto público como privada, vamos internalizar a dimensão ambiental na tomada de decisões. Vamos fazer uma reforma tributária ecológica, em que serão tributados os bens posicionais e de luxo, reduzindo assim a extração de recursos naturais e a geração de resíduos na produção e no consumo".

A "internalização dos custos ambientais" apontaria, segundo o professor, o custo real da produção, que hoje pode estar abaixo do que realmente seria para muitos produtos. "Assim, com essa correção dos preços, teríamos uma reorganização das decisões do setor privado. Não vou desenvolver mais produtos, por exemplo, que têm duração de um dia, como os recipientes plásticos, porque agora está se considerando o custo real de produção".