Imagem ilustrativa da imagem Saudades do Tio Demá
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Meu amigo Gilberto vai se lembrar para sempre daquelas manhãs de domingo quentes e ensolaradas de sua infância em Catanduva. Quando a missa terminava, Tio Demá sempre estava lá, nas escadarias da igreja matriz da cidade. Tinha um jornal nas mãos e se dirigia aos sobrinhos, Gilberto e seu irmão Donizete:

— E então, meninos, vamos ver o que vai passar na matinê de hoje?

O cinema de Catanduva ficava bem na frente da igreja. Tio Demá olhava a programação do dia e fazia seus comentários:

— Hum... Punhos e tiros! Hoje tem filme bom pra vocês!

Ou então:

— Xi... É filme de amor. Muita conversa e pouca ação. Acho que vocês não vão gostar...

Ou ainda:

— Opa! Hoje é capa e espada. Aí tem ação, meninos!

Às vezes ele trazia um gibi da antiga editora Ebal. Gilberto e Donizete gostavam de Buck Jones, Roy Rogers, Zorro e seu fiel amigo Tonto.

— Ei, meninos, vocês têm dinheiro pro ingresso? Esse aqui é pras balas...

Sempre, sorridente, ele ia embora, abraçado com Tia Júlia, apenas sua namorada na época. E os meninos desciam correndo para comprar o ingresso e esperar a primeira sessão da tarde começar.

Havia filmes bons, havia filmes chatos, mas a história que ficou no coração de Gilberto e Donizete foi mesmo a simpatia e a generosidade do Tio Demá. Até hoje, aqueles domingos ensolarados de Catanduva estão em cartaz na memória dos irmãos. É o Cine Paradiso deles.

Pois nesta semana meu amigo Gilberto recebeu uma triste notícia: Tio Demá foi embora. A essa altura, já deve estar nas escadarias do Céu, dizendo para todos que passam:

— Meninos, hoje tem filme de punhos e tiros!

Por estranho que pareça, a história do Tio Demá me comoveu profundamente. Acordei com uma inesperada saudade desse homem que não conheci, de que jamais vi o rosto ou escutei a voz. As palavras ternas do Gilberto sobre seu tio tocaram em alguma corda plangente da minha alma. Por alguns momentos, eu me senti sobrinho do Tio Demá. Para falar a verdade, me sinto até agora.

Talvez minha reação se explique pelo fato de que meu pai viveu parte da infância em Catanduva. Quando visitávamos essa aprazível cidade paulista, onde temos amigos, Paulo falava sobre suas recordações de menino. Paulo e Gilberto são de gerações diferentes e não se conheceram. Mas é bem possível que meu pai, em sua meninice, tenha visto o Tio Demá a passear sorridente pelas ruas de Catanduva.

Todos nós temos um Tio Demá em nossas vidas. Sempre existe alguém que sonha os nossos sonhos, sorri com as nossas alegrias e nos ajuda a comprar ingresso no filme da vida. Sempre existe alguém que nos espera na porta da Igreja, depois do nosso encontro com Cristo, para dizer que o domingo ainda não acabou e que seu nome é ressurreição. Haverá um Tio Demá para nos receber quando voltarmos para a Casa do Pai.

Até domingo, Tio Demá.

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