Imagem ilustrativa da imagem Pobre Pessoa
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Há um mal moderno que prejudica o entendimento dos grandes autores literários e das escrituras sagradas: o mal da citação incompleta.

O grande poeta Fernando Pessoa costuma ser uma vítima desse mal, sobretudo na mídia e nas redes sociais. Como ele não está mais presente em pessoa, cabe a nós, seus leitores, defendê-lo contra a praga da citação meia-boca.

Dias atrás, um poema de Pessoa foi citado da seguinte maneira, em prosa: "O amor é que é essencial. O sexo é só um acidente. Pode ser igual ou diferente".

Há quem pretenda utilizar as palavras do poeta para uma defesa da famigerada ideologia de gênero, ou mesmo para elogiar os enredos de certas novelas globais. Algo que certamente jamais passaria pela cabeça do pobre Fernando Pessoa em 5 de abril de 1935, quando escreveu o poema.

Pessoa não estava, nem de longe, querendo provar que "sexo é uma construção social". Muito menos tentava dizer que as nossas crianças têm condições de escolher as suas identidades de gênero independentemente de seus sexos biológicos. Tampouco estava defendo aulas de educação sexual nas escolas públicas. E não creio que o poeta, conservador que era, pudesse apreciar uma novela da Globo, se vivesse nos dias atuais.

Na verdade, o poeta português estava falando sobre algo muito mais profundo e essencial. Para ele, o amor verdadeiro, aquele que une a mulher e o homem de forma indissolúvel, é incomparavelmente superior à atração sexual, embora não a renegue ou deixe de reconhecer o valor do sexo como elemento da condição humana.

A propósito, vale recordar o que disse o filósofo Olavo de Carvalho: "Muitas pessoas não alcançam o verdadeiro amor porque se apegam ao sexo para sentir que estão vivas, para fugir da angústia e do temor da morte.

Mas é só a consciência da morte que nos abre para o verdadeiro amor, quando vemos a nossa amada envelhecendo, se extinguindo pouco a pouco, e imploramos a Deus que a preserve na outra vida. Um dia alcançamos a confiança plena de que a pessoa amada viverá na eternidade".

Se o poema de Fernando Pessoa tivesse sido citado de maneira completa, entenderíamos que ele fala do amor eterno, e os versos do autor genial não seriam utilizados como argumento para avançar uma agenda político-ideológica. Ocorre que, depois dos quatro versos citados, há mais três. Vejam, vocês sete, o poema completo:

"O amor é que é essencial.
O sexo é só um acidente.
Pode ser igual
Ou diferente.
O homem não é um animal:
É uma carne inteligente,
Embora às vezes doente."

Há 82 anos, perto da morte, Fernando Pessoa já intuía a crise civilizacional que vivemos hoje. Mas talvez, nem mesmo com sua genialidade, ele conseguisse imaginar que um dia o instinto sexual seria utilizado como arma para destruir a família monogâmica, a inocência das crianças e o coração da civilização judaico-cristã.

Urge defender Pessoa — e as pessoas. Se os valores espirituais não prevalecerem sobre os desejos materiais, deixaremos de ser uma "carne inteligente" para nos tornarmos animais teleguiados, confundindo escravidão com liberdade e doença com prazer.

Sim, leiam Pessoa — mas por inteiro, por favor.