Imagem ilustrativa da imagem Ouro que te quero verde
| Foto: Gustavo Carneiro


Nos finais de tarde ocorre um drama no céu de Londrina, e o dia se oferece em holocausto para a noite, em um incêndio silencioso e multicolorido. Vejo e ouço muitas coisas no fogo do nosso poente: as antigas florestas, os antigos caboclos, os antigos indígenas, os pais desbravadores, as mães pioneiras, as 12 Irmãs de Maria — aqueles que nos deixaram, mas continuam a arder em nosso coração.

Só uma vez o céu de Londrina me desapontou. Foi numa tarde de domingo, 12 de fevereiro de 2012, quando olhei pela janela e vi uma sombria coluna de fumaça cortar o horizonte. O incêndio do Teatro Ouro Verde fez morrer um pouco de Londrina. Durante os cinco anos em que estivemos sem ele, parece que nos faltava um pedaço. Éramos como uma família cujo filho amado tivesse ido para a guerra, sem a certeza de voltar para casa.

Nesta semana visitei o Ouro Verde reconstruído. Fui gentilmente recebido pelo Leandro, jovem engenheiro que acompanhou toda a reforma do prédio. Para quem havia visto, como eu vi, aquele lugar transformado em ruínas e cinzas, muito semelhante a um cenário purgatorial, o sentimento foi o de uma volta para casa. Sim, o Ouro Verde morreu. Mas ressuscitou.

Fico feliz pelo fato de que uma construtora londrinense tenha feito a reforma do Ouro Verde. Aos meus olhos de leigo, tudo ficou perfeito. Alguns reclamaram do atraso na obra; eu diria que cinco anos foram um prazo mais do que razoável para realizar esse milagre de reconstituição, mesmo com todos os incêndios que o país viveu nos últimos anos. Além da construtora, merecem nosso aplauso as entidades e os profissionais que contribuíram voluntariamente para a efetivação da obra. Uma autêntica obra de arte, pela qual Londrina será eternamente grata.

"Necessário vos é nascer de novo", disse Jesus a Nicodemos, que o procurou à noite. Nascer de novo é o outro nome de Londrina. Para uma cidade que foi criada no meio da floresta e sobreviveu à tragédia da geada negra de 1975, não existe impossível. Aquilo que habita os filmes, as peças de teatro, as sinfonias e os romances é a matéria-prima da nossa existência. Londrina é a filha de Londres, e nós somos os filhos do impossível.

Enquanto o engenheiro Leandro me mostrava o Ouro Verde liberto das ruínas e das cinzas, eu reencontrava, com os olhos do coração, velhos amigos que deixei por lá: Federico Fellini, Astor Piazzolla, Nelson Rodrigues, Dalton Trevisan, Shakespeare, Eugênio Brugin, David Dequêch, Celso Garcia Cid, Milton Menezes, Antonio Fernandes Sobrinho, José Hosken de Novaes, Dalton Paranaguá, Délio César, José Richa, Wilson Moreira, Akira Kurosawa, Itamar Assumpção, Paulo Autran, Pixinguinha, Sivuca, Dom Geraldo, Dom Albano, Irmã Norberta, Madre Leônia, Dom Geraldo, Dinho, João Milanez, José Eduardo Andrade Vieira, Álvaro Godoy, Bernardo Marx, o Totó de Cinema Paradiso, Maria Japonesa, Circuito, Colega, o cafeicultor, o vendedor de balas...

Numa das fileiras próximas ao palco, vejo meu pai, minha mãe, Vó Maria, Francelino França, João Sebastião Bach. Sento-me ao lado deles. Que comece o espetáculo: é o céu de Londrina, no final da tarde.



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