Imagem ilustrativa da imagem Onde Judas perdeu as botas
| Foto: Paulo Briguet



No meio do caminho tinha uma bota. De quem ela é?

De um companheiro que cansou da caminhada após a carta do Palocci? De um jornalista que publicou fake news? De um professor socialista que não tem mais o que ensinar? De uma artista global que se mudou para a terra do Trump? De um psicólogo que trocou o consultório pela militância? De um historiador que só conta histórias mal contadas?

Do Aécio, que não pode mais sair de casa à noite? Dos senadores que defendem o Aécio pensando no amanhã? Do Presidente Temeroso? Da Maria que odeia o Bolsonaro? De um ex-presidente prestes a se tornar presidiário?

De um artista de vanguarda, que a colocou ali achando que era obra de arte e busca desesperadamente um patrocínio público? De um trabalhador que não trabalha, de um estudante que não estuda, de um intelectual que não pensa? De um padre que foi ao Rock in Rio?

De um ateu que quer proibir o sinal da cruz? De um antifascista que adora o Estado? De um ideólogo de gênero? De um apologista do aborto? De um defensor da maconha? De uma babá de bandidos? De um filho da CUT?

Do proprietário fantasma recebeu da inquilina morta em um dia que não existe?

Ou será a bota do próprio Judas, que ali escondeu o dinheiro da traição, depois que Jesus se negou a fazer a revolução?

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Sinceramente, acho que a bota não pertence a nenhum dos citados acima. Na verdade, ela representa tudo aquilo que deixamos para trás em nossas vidas: as ilusões, as mentiras, as meias verdades, os rancores, os ódios, as amarguras. A bota deve pertence a um pobre homem, igual a mim e a você; um mendigo diante de Deus, igual a todos nós.

Fico pensando em quantos passos essa bota já deu, em quantos caminhos ela percorreu, em quantas vezes viu o mundo com os seus olhos cegos de bota. Fico pensando no pé direito que a calçou, enquanto vagueava pelo mundo atrás da sobrevivência de seu dono.

Até que um dia — não se sabe qual —, no final de um inverno londrinense muito parecido com o verão, a bota foi descalçada e abandonada à própria sorte. Ficou ali, na rotatória da avenida Madre Leônia, onde termina a avenida Higienópolis, a alguns passos de onde começa a Terra Santa de Londrina, a dois metros da salvação.

Nunca saberemos a quem pertence a bota. Nunca saberemos onde está a sua companheira da esquerda. Nunca saberemos. Tudo que restou da bota, meus sete amigos leitores, foram uma foto e as palavras de um cronista. Mas, em algum lugar do mundo, o dono da bota existe. E ele não é Judas.

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