Imagem ilustrativa da imagem O homenzinho
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Em janeiro muita gente faz uma lista das coisas que pretende realizar ao longo do ano. De minha parte, se chegar a dezembro sem dívidas e sem pecados muito graves, já estará de bom tamanho. Gostaria, porém, de falar sobre um personagem do qual gostaria de me livrar em 2018.

Trata-se do homenzinho.

Acho que não contei a vocês, mas dentro de mim vive um homenzinho cujo único objetivo na vida é atravancar a minha vida. Ele é, digamos, uma parte de mim que conspira contra mim.

Costumo chamá-lo de homenzinho revoltado. É uma referência bem pouco sutil ao livro de Albert Camus, "O Homem Revoltado", obra que acabou por separá-lo de toda a esquerda francesa e motivou uma feroz polêmica entre Camus e Jean-Paul Sartre, acompanhada de um amargo rompimento.

Mas as semelhanças com Camus terminam aí, no nome da personagem. O diminutivo vem a calhar: diferentemente dos anti-heróis existencialistas do autor de "O Estrangeiro", o homenzinho revoltado não é trágico. Ele é simplesmente ridículo. E dá um trabalho que eu vou lhes contar...

Há dentro de mim esse homenzinho que aparece nas horas mais impróprias. Ele vive soprando em meu ouvido para que eu desista de escrever. A todo custo, ele pretende convencer-me que é inútil fazer coisas imperfeitas. Diz o malinha sem alça: "Você sempre vai errar, Paulo. Suas crônicas, seus livros, seus comentários e até as canções do Chico Buraco apresentam falhas constantes. Melhor deixar pra lá! Você nunca chegará a ser um Rubem Braga ou um Graciliano, muito menos um Euclides. Paulo Francis riria de você..."

Para piorar, o homenzinho é marxista. Sempre que eu recebo o pagamento por um trabalho — não importa qual —, a criatura se põe a me criticar: "Paulo, você não merece esse dinheiro. Com tanta gente passando fome, passando necessidade, passando humilhação, sofrendo exploração econômica, você acha que é justo ganhar para fazer isso? Afinal, qual a importância de uma crônica na vida das pessoas? E esses livros aí que você escreve, estão contribuindo efetivamente para a transformação da sociedade, para a construção de um mundo melhor? Você é um alienado, Paulo! Você não faz nada para acabar com as injustiças sociais! Devolva esse dinheiro a quem ele de fato pertence!"

O homenzinho nunca está satisfeito com nada. Para ele, não basta que eu perca a paciência: é necessário que acabe por descontar essa contrariedade nas pessoas que nada têm a ver com a história. Ele fica muito feliz quando eu digo alguma palavra áspera, quando me deixo invadir por pensamentos maldosos, quando me distraio no meio da oração do terço, quando estou perto de mandar tudo às favas e mudar pra Astorga. (Ah, é claro que o homenzinho é ateu...)

Tudo que eu peço a Deus neste ano é força para expulsar de vez o homenzinho revoltado e devolvê-lo ao lugar de onde ele saiu: o passado. Você já mandou demais em mim, homenzinho. É hora de se aposentar.