Imagem ilustrativa da imagem O caderninho do rapaz triste
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Meu amigo Rodrigo Gurgel, que considero o maior crítico literário em atividade no Brasil, escreveu dias atrás um belo artigo em que fala sobre as motivações no trabalho do escritor. Rodrigo conta que, em certa época da juventude, passou a usar cadernetas de bolso: "Tinham capa azul, que imitava couro, e enchi várias com pensamentos, citações interessantes, livros que precisava ler, conclusões inesperadas sobre a vida, às vezes o esboço de um desenho". Quando vivemos das palavras — observa ele — tudo pode se transformar em motivo para escrever.

Eu também tive meus caderninhos; na verdade, carrego-os até hoje. Estou para meus caderninhos como um caçador está para suas armas, como um músico está para seu instrumento, como um topógrafo está para seu teodolito. Há exatamente 30 anos, em 1987, comprei na papelaria de Araçatuba um pequeno bloco espiral e passei a anotar ali tudo que me viesse à mente. Meu objetivo era usar aquelas notas em meu primeiro livro de contos, livro esse que até hoje não saiu. Mas, passadas três décadas, ainda convivo com os personagens que habitavam aquelas páginas, entre os quais Mazé, a misteriosa garota de óculos que frequentava a livraria do professor Folquito e me considerava um rapaz muito melancólico. Só conversamos uma vez, rapidamente, ao pé da prateleira onde ficavam os livros de psicologia junguiana. Nunca mais vi Mazé depois daquele nosso breve diálogo. Só lembro uma frase dela: "Você é triste, Paulo..."

Não, eu não sou triste, Mazé. Talvez fosse apenas a melancolia natural da adolescência. Como eu disse, aquele era o ano de 1987; vivíamos a desilusão com o Plano Cruzado, sonho maluco que durou apenas alguns meses e então nos devolveu à realidade. Nos fundos da livraria, o imenso Tonicão, com sua voz de trovão, tocava Belchior. "Você não sente e não vê/ Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo/ Que uma nova mudança, em breve/ Vai acontecer".

A mudança veio dois anos mais tarde — e seu nome para mim era Londrina. Tonicão já não cantava mais; morreu tragicamente após passar uma temporada na prisão. Em sua homenagem, eu gostava de tocar a mesma canção de Belchior nas festas da República da Humaitá. O gordo e alvíssimo Tonicão saiu da vida para entrar nos meus caderninhos de notas. Até hoje sonho que estou entrando na livraria do Folquito, passo por Mazé, contemplo os livros de Jung — posso identificar nitidamente "Mysterium Coniunctionis", que nunca li —, e lá nos fundos há um pequeno palco onde Tonicão anuncia que vai cantar uma nova música de Belchior. Uma nova música de Belchior — será possível?

Na mesa próxima ao palco, vejo outra personagem que migrou definitivamente para o caderninho do rapaz triste: seu nome é Adriana, uma jovem formada em fisioterapia, que acabara de ouvir o último disco de Cazuza, mas não havia gostado. "Ele fala muito de morte..." Mas, Adriana, que telefone é este que agora toca em minha memória? Qual será a notícia que me darão sobre você? Para onde foi o seu sorriso, Adriana?

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