O alpinista de Atibaia
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 19 de julho de 2017
por Paulo Briguet
Nunca pensei em fugir para as montanhas, mas eis que estou aqui, ao pé de uma montanha em Atibaia. Entre um capítulo e outro do livro que escrevo, observo a montanha que vai mudando de cores e sombras conforme a hora do dia. Sinto saudade de minha mulher e meu filho; sinto saudades de meu pai e minha mãe, que tantas vezes estiveram aqui comigo; sinto saudades de Londrina, onde deixei meu coração.
Dizem que existe uma trilha que conduz ao alto da Pedra Branca, essa imensa formação rochosa a quem dou bom-dia todas as manhãs. Não pretendo subir até o cume da montanha; o tipo de alpinismo que pratico é bem diferente. Não é o alpinismo esportivo, nem o social, nem o político. Trata-se do difícil alpinismo das palavras e do espírito. Um alpinismo praticado sem cordas, sem picaretas, sem cintos de segurança. Subo até o alto, porque meu dever é subir; se anoitece, tenho que seguir tateando. Não disponho de guia, nem de bússola. Tenho apenas as mãos nuas e um Rosário. Meu consolo é saber que, se cair, cairei nas mãos do Pai.
Nas Escrituras, a montanha é o lugar em que se manifesta a glória de Deus. A montanha foi o lugar escolhido para o sacrifício de Isaac, que no último momento não se consumou. Além de Abraão, Moisés e Elias também subiram à montanha para conversar com Deus. E foi do cimo de um monte que Jesus anunciou as bem-aventuranças.
Quando quer trazer ao mundo a mensagem do Filho, Nossa Senhora tem uma especial predileção pelas montanhas. Em 1846, ela falou a duas crianças em La Salette, alta região no Sul da França. Nessa ocasião, a Virgem apareceu chorando de tristeza pelos pecados dos homens, inclusive os pecados dentro da própria Igreja. Em 1917, há um século, ela apareceu aos três pastorzinhos portugueses Lúcia, Francisco e Jacinta em Fátima, que fica no meio das montanhas da Serra do Aire. E foi de uma montanha de Israel o Monte Carmelo, onde Elias desmascarou os sacerdotes de Baal que se originou a Ordem Carmelita, bem como a tradicionalíssima devoção a Nossa Senhora do Carmo.
Observo a Pedra Branca, enquanto a luz do Sol rapidamente começa a ser substituída pela treva noturna, e me lembro dos versos do meu amado T. S. Eliot em sua peça "A Rocha":
O mundo gira e o mundo muda,
Mas uma coisa não muda.
Em todos os meus anos, uma coisa não muda.
Ainda que vocês a disfarcem, esta coisa não muda:
A perpétua luta entre o Bem e o Mal.
Cada um de nós tem a sua montanha particular. E cada um tem, como Sísifo, a sua rocha para carregar diariamente até o cume da montanha. Sim, é verdade que ao final do dia a rocha voltará a rolar montanha abaixo, mas isso não nos deve fazer desistir. É preciso aceitar mesmo o que parece absurdo. A cada subida, nosso coração se torna mais forte, nosso entendimento fica mais límpido, nossa alma ganha em confiança e firmeza. E um dia contaremos nossa história ao Senhor de todos os rochedos. Aquele que move as montanhas e as transforma em infinito.