Imagem ilustrativa da imagem "Meu primeiro presente foi uma enxada"


Hoje tive uma ótima conversa com o Dr. João Tavares de Lima, advogado e pioneiro de Londrina. Sim, eu sei que tecnicamente são pioneiros aqueles que chegaram até 1940; como Dr. João chegou em 1941, aos 15 anos de idade, o título não lhe caberia. Mas de que outro nome podemos chamar um homem que teve tanta participação na vida pública da cidade, sendo que continua trabalhando diariamente em seu escritório de advocacia até hoje, aos 90 anos de idade?

Então, que me desculpem os puristas do calendário, mas João Tavares é pioneiro, sim senhor. E dos mais ilustres.

Antes de fazer a transcrição de nossa entrevista, anotarei aqui alguns fatos que me chamaram mais a atenção na conversa com o decano da advocacia londrinense.

Primeiro, surpreendi-me não apenas com a lucidez de João Tavares (isso eu já sabia), mas com a absoluta limpidez de sua fala: frases bem construídas e espirituosas, respaldadas por uma memória de tirar o fôlego.

João Tavares de Lima nasceu em 13 de maio de 1926, no município de São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Era filho dos agricultores Joaquim e Benedita e teve um irmão, Paulo.

João recebeu seu primeiro presente das mãos do pai: uma enxada. Tinha 8 anos. Trabalhou na lavoura, ao lado da família. Em 1935, houve uma grande seca na região de Santa Cruz do Rio Prado e a família passou o ano inteiro comendo apenas feijão e fubá.

Aos 12 anos, saiu de casa para estudar e trabalhar como funileiro. Um dia, ouviu falar no Norte do Paraná, terra de grandes promessas. Adolescente, fez uma trouxa de roupas e pegou o trem para Londrina, onde um tio possuía máquina de beneficiar arroz.

Depois de ajudar o tio por algum tempo, trabalhou três anos como safrista: derrubava as matas e plantava roça. Certo dia, teve dificuldades para caminhar, tamanha era a quantidade de bichos-de-pé em seus dedos. Resolveu tentar um emprego na cidade.

Arrumou um serviço de faxineiro no escritório de Jeremias Lunardelli, famoso cafeicultor da região. Como sabia ler e escrever bem, prestava atenção no trabalho dos outros funcionários. Observando, aprendeu boas noções de contabilidade. Como tinha letra bonita e sabia fazer contas, logo foi promovido a guarda-livros do escritório. Ao ganhar seu primeiro salário no novo cargo, comprou uma coleção de Machado de Assis. Depois, uma coleção de Eça de Queirós. Por fim, a bela biblioteca dos Clássicos Jackson. Foi quando leu pela primeira vez "Dom Quixote". Apaixonou-se pela obra genial de Cervantes e pelas aventuras do Cavaleiro de Triste Figura, sempre ladeado pelo inesquecível Sancho Pança. "Dom Quixote é o livro da minha vida", diz Dr. João.

Fez o curso de madureza no Colégio Londrinense, sob a direção do professor Zaqueu de Melo. Já trabalhando na concessionária Cipasa (o nome foi ele que inventou), resolveu tentar a sorte e prestar o vestibular de Direito na Universidade Federal do Paraná. Como só tinha o diploma de técnico em contabilidade (e não o do Científico ou Clássico, mais valorizados), precisou passar por uma peneira com 120 outros candidatos antes de prestar o vestibular. Nesse vestibular do vestibular, o principal tema da prova foi o filósofo Aristóteles. Sorte: ele já havia lido várias obras do sábio de Estagira e tirou 1º lugar no exame. Depois, passou também no vestibular da Federal (com provas de português escrito, português oral, latim escrito e latim oral). O tema da redação era "Trabalho". João escreveu oito páginas. Foi aprovado.

Incrivelmente, conseguiu fazer todo o curso de Direito sem frequentar as aulas. Continuou trabalhando na Cipasa em Londrina e só ia para Curitiba fazer as provas de segunda época. Estudou sozinho – e conseguiu se formar em 1956, já casado com Lilianne.

Na vida pública de Londrina, teve dois grandes amigos: os prefeitos Milton Menezes e José Hosken de Novaes. "Eram modelos de homens públicos, como não se vê mais", diz João. Filiado à conservadora sigla UDN, foi vereador e presidente da Câmara. Em 1963, elegeu-se vice-prefeito na chapa encabeçada por Hosken de Novaes. Cogitou-se o lançamento de seu nome à Prefeitura, na sucessão de Hosken. Mas ele declinou. Para sustentar a família de quatro filhos, preferiu seguir na advocacia. Na vida pública atual, sente falta de homens inteligentes e corajosos como Carlos Lacerda, um dos maiores oradores da história do país, a quem conheceu pessoalmente.

Ao conversar com esse homem admirável, tive um sentimento que em princípio não identifiquei. Depois, caminhando pelo centro da cidade, foi que tive a certeza: Dr. João me fez sentir saudade. Saudade do meu pai.