Imagem ilustrativa da imagem Meu amigo gambá
| Foto: Shutterstock


Precisei de uma vassoura. Dirigi-me então, ao fundo da casa, onde fica a pequena lavanderia. Abri a porta e dei de cara com o bicho. Acho que ele ficou mais assustado comigo do que eu com ele. Dizem que as duas reações de defesa do gambá são fingir-se de morto ou soltar o proverbial cheiro. O gambá não fez nenhuma das duas coisas: preferiu esconder a cabeça atrás da máquina de lavar, como fazia o meu antigo cachorro Ace. Notei, surpreso, tratar-se um gambá com índole de avestruz. (Mas acho que avestruz com cabeça no buraco é lenda urbana.)

Procurei tranquilizá-lo:

Calma, amiguinho. Eu não vou fazer mal a você.

Por um momento, o gambá tirou a cabeça de trás da máquina e me olhou com aqueles olhos do alto da cabeça, que pouco enxergam durante o dia. Acho que estava apenas vendo um vulto que falava em idioma incompreensível. E o pior é que, péssimo psicólogo de animais, tomei nas mãos a vassoura. Mas nem isso fez o gambá exalar mau cheiro ou fingir-se de morto (aqui os zoólogos divergem: alguns autores dizem tratar-se de um desmaio involuntário). Ele apenas correu para o outro lado da lavanderia, mas o lado errado, onde fica a parede. Estava sem saída, o pobre mamífero: entre a parede fria e um humano com vassoura.

Então imaginei que o gambá estivesse com sede e fome. Há pelo menos 24 horas ninguém abria a porta da lavanderia. Coitado do gambá! O bicho entrou no quintal em busca de comida e acabara prisioneiro. Mesmo com a vassoura na mão, tentei explicar a ele, de maneira tosca:

— Eu não vou bater em você, não. Isso aqui é para limpar a casa. Olhe, vou deixar a porta da lavanderia, assim você pode ir pra casa, tá? Sua esposa e seus filhinhos devem estar preocupados.

O gambá deve morar numa dessas matas que existem ao pé da Serra de Atibaia. Ao pé da montanha está o seu ninho; ali a fêmea, angustiada, espera a volta do marido com os filhotinhos dentro da bolsa (sim, o gambá é um marsupial, primo do canguru.) E pensei naquele velho desenho animado, em que um gambá se apaixona por uma gata e tenta conquistá-la de todas as formas, fazendo galanteios em francês.

No momento em que escrevo estas palavras, meu companheiro gambá já deve estar longe daqui. Andei pesquisando sobre os gambás na internet e descobri que a espécie Didelphis marsupialis destaca-se pela capacidade de vencer o inimigo utilizando estratégias eficientes (embora fingir-se de morto não seja uma qualidade só dos gambás). O pequeno marsupial, com seus olhos no alto da cabeça, simboliza o poder de enxergar além do imediato.

Ontem fez um dia lindo em Atibaia. Olhei para o céu e disse para mim mesmo:

— Este é um azul padrão Londrina!

Não sei se os gambás têm o costume de olhar para o alto. Mas, já que estamos debaixo do mesmo céu e dormimos por uma noite praticamente sob o mesmo teto, desejo tudo de bom a ele e sua família. Vai, gambá! Vai ser livre neste mundo de Deus.

(E não é que esse bicho me deu saudade de Londrina?)

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