Hoje eu vim fazer uma confissão.

Primeiramente, confesso que estou aqui mais como ouvinte do que como palestrante. Vim a convite do Parlatório, para conhecer algumas das minhas referências, as pessoas que compõem esta mesa.

Confesso que sou caipira. Venho de uma linda cidade do interior chamada Londrina, no Norte do Paraná, que já foi a capital mundial do café nos anos 60 e até algumas décadas antes era apenas uma clareira no meio da floresta.

Confesso que sou um ex-esquerdista. Talvez o único da mesa. Eu estive no inferno. E é quente lá. Acreditem: não é agradável.

Churchill dizia que quem não é socialista aos 20 não tem coração, quem não deixa de ser socialista aos 40 não tem cérebro. Pois é. Confesso que eu usei e abusei do direito de ser burro, até pouco antes dos 30 anos de idade. Estou com 47, portanto a minha vida inteligente ainda não chegou à maioridade penal.

Quem nasce em Londrina é chamado de pé-vermelho. É uma referência ao latossolo vermelho, um dos solos mais férteis do mundo. Curioso é que esse apelido começou como pejorativo. Era fácil identificar um londrinense quando ele ia à praia: bastava ver o rastro do pé-vermelho na areia. O que começou como piada virou motivo de orgulho, quando foi lançado o movimento Pé Vermelho Mãos Limpas, no final dos anos 90. Foi o movimento de combate à corrupção que se instalou no município após o desvio de 1 bilhão de reais, em valores corrigidos, da companhia telefônica local.

Eu tinha 28 anos e trabalhava como repórter de um jornal local na época. Eu me achava trotskista, acreditava na revolução permanente. Certo dia eu fui ao Ministério Público de Londrina e me mostraram os documentos que comprovavam os desvios na Prefeitura. Era uma coisa sórdida, canhestra, abominável. Muitos anos depois, lendo uma sentença do juiz Sérgio Moro, eu me lembrei daquele dia. Os métodos da corrupção eram incrivelmente parecidos.

O esquema de corrupção que começou na empresa telefônica de Londrina seria reproduzido, anos depois, na empresa petrolífera do Brasil. O doleiro Alberto Youssef é da minha cidade. E foi assim que tudo começou.

Mas, onde nasceu a doença, nasceu também o remédio. A Operação Lava Jato também tem origem na cidade de Londrina, com uma investigação que um delegado local fez sobre o Alberto Youssef.

Mesmo com o envolvimento de alguns políticos esquerdistas locais — entre eles o ex-deputado André Vargas, que está preso em Curitiba, e o ex-ministro Paulo Bernardo — aquele jovem repórter trotskista não poderia imaginar que um dia aquele esquema viria a governar o país, e também a destruí-lo. Graham Greene dizia que a inocência é uma forma de loucura. Pois eu digo que a ingenuidade pode ser uma forma de burrice.

Confesso que eu levaria mais algum tempo para descobrir quais eram as verdadeiras intenções do PT e de suas linhas auxiliares, à esquerda e à direita. Eu demoraria mais alguns anos para descobrir o que é o estamento burocrático, o que é a cleptocracia, o que é a extrema-imprensa.

Na época, para vocês terem uma ideia, além de filiado ao PT, eu era diretor sindical. Mas digamos assim que, a partir daquela época, daquele escândalo, eu comecei a ter uma vida clandestina. Comecei a ler autores conservadores, liberais, cristãos, judeus e anticomunistas. Comecei a ler todos aqueles autores que não haviam me mostrado na universidade. Comecei a ler até o Olavo de Carvalho, dentro do sindicato. E se alguém chegava, eu dizia: "Não, não é Olavo de Carvalho. É pornografia".

Eu não gosto de me apresentar como jornalista. Eu prefiro dizer que sou cronista. Mas foi como repórter que eu tive algumas experiências que foram me afastando da esquerda. Por exemplo: certo dia eu entrevistei um advogado argentino que estava trabalhando com o juiz Baltasar Garzón, aquele que prendeu o Pinochet. Ingenuamente, eu fiz a ele em portunhol, com as melhores intenções, uma pergunta proibida:

— Bueno, General Pinochet está preso. Pero por que no se puede también prender a Fidel Castro?

Eu era ingênuo mesmo. Esperava que ele me desse uma resposta convincente, demonstrando que Fidel e Pinochet eram casos muito diferentes. Nesse momento, o advogado argentino, que usava óculos, me lançou um olhar de ódio que eu nunca mais vou esquecer. Ele soltou evasivas, depois mudou do assunto. Mas eu nunca vou me esquecer daquele olhar de ódio. Nunca. Mesmo eu, bobalhão que era, percebi que havia tocado numa ferida. Acendeu uma luz. E era uma luz vermelha.

Outras luzes vermelhas se acenderiam. Por exemplo, quando morreu o prefeito Celso Daniel. A partir daquele dia, meu pai, que sempre fora um homem de esquerda, e que perdera seus dois melhores amigos na luta armada, meu pai nunca mais votou no PT. Eu me lembro que ele disse: — Tem alguma coisa muito errada aí.

Hoje eu considero a morte de Celso Daniel como o crime fundador do Brasil contemporâneo. De certa maneira, nosso país é aquele cadáver na estrada de terra.

O que veio depois vocês conhecem. Mensalão, Petrolão, a ruína econômica do país, o aparelhamento das instituições (inclusive da minha amada Igreja Católica), a destruição completa da alta cultura nacional, as escolas e universidades transformadas em centros de militância política, a mídia lacradora espalhando ignorância e desinformação por toda parte (com honrosas exceções, e muitas delas estão nesta mesa).

Foi assim que eu me tornei um conservador. Muitos passaram por essa mudança, que é fruto da desilusão: George Orwell, Arthur Koestler, David Horowitz, Carlos Lacerda, Olavo de Carvalho... Eu não sou grande como eles; sou apenas um cronista caipira. Mas talvez lá, no interior do Brasil, estejam os valores que vão resgatar o nosso país.

Nós, brasileiros, estamos descobrindo o que Freud chamaria de princípio da realidade. Há um abismo entre as pessoas comuns, a grande maioria do povo, e as elites falantes, que insistem em mandar na nossa vida. Há um abismo entre os brasileiros e a extrema-imprensa. Há um abismo entre o povo e os lacradores. Há um abismo entre a população e os políticos. Há um abismo entre o Brasil e Brasília. Há um abismo, que nós precisamos transpor. É uma situação mais do que absurda: como se a população vivesse em um exílio e uma minoria de políticos e militantes dominasse o país. Em breve, para poder dizer a verdade, nós vamos ter que recorrer aos samizdats, como na época do comunismo soviético.

Uma das formas de vencer esse abismo é deixarmos de ser provincianos. Pode parecer estranho um caipira como eu dizendo isso, mas é verdade. Eu não estou falando do provincianismo geográfico, mas do provincianismo temporal, a ilusão de que a sua época é a melhor só porque você vive nela. Nós temos que voltar às fontes primordiais da civilização: a alta cultura e a tradição sagrada.

Encerro esta minha confissão com uma imagem. O cronista do Brasil, hoje, é como aquele palhaço descrito por Kierkegaard numa de suas obras:

Começou um incêndio nos bastidores de um circo. O palhaço foi até o povoado próximo e deu o alerta, pedindo que os moradores ajudassem a apagar o incêndio. Os moradores do povoado acharam que era apenas uma piada do palhaço, ou um golpe de propaganda. Deram risada dele. O palhaço voltou a dizer: está pegando fogo! Ajudem, por favor! E os moradores continuaram rindo. Pois o incêndio destruiu o circo, espalhou-se pela floresta e matou todos os moradores da aldeia.

Por isso é que eu peço, meus amigos. Ouçam o caipira! Ouçam o ex-esquerdista! Ouçam o cronista! Ouçam o palhaço! Ainda é tempo de sobreviver.