Imagem ilustrativa da imagem Chove sobre a Biblioteca
| Foto: Paulo Briguet



"Tudo é aliado do homem que sabe querer."
(Machado de Assis, em "A Mão e a Luva")

No princípio, a Biblioteca era apenas a quadra de tênis dos ingleses. Em 1789, os jacobinos e os girondinos se reuniram numa quadra de tênis antes de fazer a Revolução Francesa — e da posição dos dois grupos em vem a nossa definição de esquerda e direita. Eis que nós, a exemplo dos franceses, temos na história de Londrina alguma referência ao esporte das raquetes.

Mas choveu sobre a quadra dos ingleses, e em 1950 construiu-se no mesmo local o Fórum de Londrina, pelas mãos do legendário mestre de obras Manuel Gregório.

Anos depois, em 1984, choveu sobre Fórum, e ele foi transformado em Biblioteca Municipal. A antiga sala do Tribunal do Júri virou Teatro Zaqueu de Melo; as salas do Judiciário foram ocupadas pelas estantes de livros, livros a mancheias; as antigas celas dos presos que aguardavam julgamento se converteram em arquivos subterrâneos.

Podemos concisamente definir as transformações daquele ponto histórico em Londrina utilizando a teoria das castas hindus: no início, era o lugar da casta empresarial (vaixás); depois, o lugar da casta governante (xátrias); enfim, o lugar da casta intelectual (brâmanes). Londrina percorreu o mesmo caminho: nasceu como empresa, tornou-se centro de poder e hoje caminha para ser uma cidade do conhecimento. Nosso destino é o de uma cidade-brâmane.

Nesta semana em que começa o verão, a chuva causou diversos estragos na cidade de Londrina. Uma jovem, fiscal da zona azul, morreu tragicamente atingida pela queda de um galho no Bosque; diversos locais sofreram alagamentos; e até o muro do Cemitério São Pedro caiu.

Um dos locais afetados pelas chuvas foi a Biblioteca Municipal, antigo Fórum, antiga quadra dos ingleses. Também o Museu de Arte, antiga Rodoviária, foi alagado e sofreu prejuízos. Na Biblioteca, foi preciso proteger com plásticos os livros da estante de literatura italiana; uma goteira ameaçou as obras de Dante, Manzoni, Leopardi e meu querido Dino Buzzati. Chamado às pressas, como conselheiro municipal de Cultura, acompanhei o esforço dos funcionários em proteger o acervo. Essas pessoas estão de parabéns! Fazem jus ao sentido original da palavra "servidores".

Foi aprovada pelos vereadores uma emenda orçamentária de R$ 1,9 milhão para reformas na Biblioteca Municipal e no Teatro Zaqueu de Melo, patrimônios valiosos da cultura londrinense. Já é um começo; mas sonho com o dia em que esses patrimônios, como também o Museu de Arte, sejam abraçados por toda a comunidade e adotados por empresas locais. Londrina nasceu da iniciativa privada, e só com ela conseguirá desenvolver-se plenamente. Os brâmanes precisam dos xátrias, mas também precisam dos vaixás.

Nas peças de Shakespeare, a tempestade é sempre o sinal simbólico de grandes mudanças na ordem da história. Que as chuvas recentes sobre Londrina também sejam o prenúncio de um novo tempo para a cultura de Londrina — não apenas a cultura de alguns, mas de toda a cidade.

Você também é um brâmane, caro leitor.