Olavo, meu amigo e mestre,

Recebo consternado a notícia da morte de sua mãe, D. Nicéa Pimentel de Carvalho. Ela chegou ao nobre marco dos 99 anos, vividos com coragem, alegria e lucidez. Mas não partiu antes de assistir, cheia de orgulho, ao filme "O Jardim das Aflições" e ver o filho consagrado como o maior filósofo brasileiro vivo. Com que alegria D. Nicéa deveria escutar a frase que marcou as maiores manifestações populares da história brasileira: "Olavo tem razão!"

Olavo, eu sei que a sua infância não foi nada fácil. Até os sete anos de idade, você viveu confinado a uma cama, com sérios problemas de saúde. Fico imaginando a dedicação e a angústia de D. Nicéa neste difícil período da vida familiar. Nós, que somos pais, daríamos tudo para sofrer na própria carne e na própria alma todas as dores e doenças que afligem nossos filhos. Penso que D. Nicéa não hesitaria um instante em trocar de lugar com o filho acamado, se lhe fosse oferecida essa possibilidade.

Quando o vejo com seus netos e sua família, que tive a honra de conhecer pessoalmente na Virgínia, penso em tudo que você fez e continua fazendo por nosso país, levando a todos nós pelo caminho do bem, da beleza e da verdade. Recordo-me de suas aulas no Seminário de Filosofia, em que por algumas vezes tive que fazer uma pausa para chorar com a força de suas meditações. Uso o verbo "recordar" e não "lembrar" por fidelidade à origem da palavra: recordar significa literalmente "guardar no coração". E o coração, como você mesmo ensinou, não é simplesmente a sede das emoções sentimentais, mas a casa da consciência. É lá que moram você, sua amada Roxane e sua querida família. Meu coração hoje bate em Londrina e na Virgínia.

Imagem ilustrativa da imagem Carta a um amigo que perdeu a mãe
| Foto: Shutterstock



Entrei em contato com você e Roxane alguns dias atrás, quando estava em Atibaia para finalizar um livro, veja só, chamado "Coração de Mãe". Roxane, com a delicadeza de sempre, me disse que você estava ao telefone, numa longa conversa com seu irmão, enquanto sua mãe padecia confinada a um leito hospitalar. Poucos sabem a dor e a angústia que você passou com o sofrimento de D. Nicéa; eu sei.
Oramos muito por sua mãe, Olavo. Mas Deus, com a Sua infinita bondade e sabedoria, quis comemorar os 100 anos de D. Nicéa no Céu.

Perdi minha mãe há seis anos, meu amigo. Não vou dizer que é fácil, não vou dizer que é simples. Mas nós sobrevivemos. Eis um assunto do qual você entende, após vencer tantos inimigos ruidosos e espirais silenciosas: o nome Olavo quer dizer O Sobrevivente.

Agora você faz parte da imensa legião dos órfãos de mãe, que habitam este mundo e seguem vivendo por amor a Deus, e à vida, e à família, e a tudo de bom que ainda vamos semear.

Imagino o adeus de D. Nicéa muito parecido com a última cena do seu filme, Olavo. Uma pequena luz apagando-se na escuridão, na certeza de que ressurgirá na forma da Luz eterna. Não foi por acaso, meu amigo, que sua mãe partiu no dia da Assunção de Nossa Senhora, rainha dos aflitos, protetora dos órfãos, mãe dos sobreviventes.