Imagem ilustrativa da imagem As mãos do meu pai
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Existe uma fase na vida do menino em que ele tem vergonha de parecer muito ligado ao pai. Meu pai sempre ignorou solenemente essa vergonha. Lembro que eu já crescido, com 11 ou 12 anos, ele pegava na minha mão para atravessar a rua. Não tinha essa conversa de "deixa que eu sei atravessar sozinho, pai". Atravessar a rua era de mão dada, e fim de papo. Ele era um superprotetor assumido.

O tempo passou, e eu me acostumei; na hora de atravessar a rua, dava a mão a ele espontaneamente. Por fim, a coisa se tornou engraçada: eu já homem feito, com mais de 30 anos, buscava sua mão nas esquinas da vida.

Até que um dia meu pai ficou doente. E então eu percebi que os papéis se inverteram: eu é que o conduzia, eu é que o protegia contra os perigos do mundo.

Quando penso nas mãos de meu pai, penso em tudo que ele criou, carregou, moldou, protegeu e suportou durante seus 67 anos de vida. Eram mãos até bonitas, mãos escuras de habitantes do deserto espanhol (seus antepassados eram da Múrcia), mãos amarelecidas por décadas de tabaco. Mãos que sabiam fazer contas, escrever crônicas, dar o nó na gravata, jogar sinuca com maestria e, sobretudo, apontar caminhos para aqueles que amava. Mãos que carregaram livros a mancheias, mãos que me pegaram no colo pela primeira vez, mãos que todos os dias percorriam as páginas do jornal em busca das notícias. Mãos que me ensinaram a andar, a nadar, a acolher. Mãos que plantaram amor e colheram saudades. Ah, que saudade eu tenho das mãos de meu pai!

Às vezes eu sonho com elas. Meu pai sempre aparece silencioso nos meus sonhos. A exemplo de São José, o pai adotivo de Jesus, ele não diz uma só palavra. Mas, também à semelhança de José, o mais importante destes sonhos não é o dito, mas o feito. Meu pai se comunica com suas mãos silenciosas, exprime tudo aquilo que a linguagem meramente humana e fônica não consegue alcançar. As mãos de meu pai hoje falam o idioma da eternidade.

Meu pai se chamava Paulo, meu avô se chamava Briguet, meu bisavô se chamava Antônio. Meu nome, não por acaso, é Paulo Antônio Briguet. Sou uma espécie de soma daqueles três pares de mãos. As mãos do meu pai bancário, as mãos do meu avô pintor de carros e juiz de futebol, as mãos do meu bisavô maquinista de trem e menino português de sete anos, deixado sozinho no Brasil. As mãos que faziam cálculos financeiros, as mãos que marcavam faltas e pênaltis, as mãos que conduziam o expresso da noite na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Esses três homens — Paulo, Antônio, Briguet — descansam seus corpos e suas mãos fatigadas lado a lado, no Jardim da Saudade, em Araçatuba. Mas eu sei que eles não estão ali. As mãos de meus pais hoje repousam na mão do Pai. E, quando vejo as mãos de meu filho, tão parecidas com a do avô que ele não conheceu, penso que o Céu deve ser parecido com um Dia dos Pais sem fim.

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