Imagem ilustrativa da imagem Abraçada ao seu algoz
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No conto "É difícil encontrar um homem bom", a escritora americana Flannery O’Connor fala sobre a destruição de uma família por um bando de assassinos. A personagem central do conto é a avó da família, uma senhora que se considera fervorosamente cristã, mas em momento algum consegue sair de si mesma para perceber a enormidade dos crimes que acontecem diante de seus olhos.
De certa maneira, podemos dizer que a civilização ocidental, especialmente a Europa, comporta-se hoje da mesma forma que aquela patética personagem. Diante do terrorismo islâmico, o que vemos e ouvimos? Líderes políticos, formadores de opinião e especialistas da mídia falam como a avó do conto: "Escute aqui, eu sei que o senhor é um homem bom. Não aparenta nem um pouco ser uma pessoa comum. Sei que deve ser de boa família! (…) O senhor não deveria se chamar de Desajustado, porque eu sei que é um homem de bom coração. Basta olhar sua pessoa, que eu logo vejo". A velha senhora acaba sendo morta a tiros. O líder dos bandidos comenta, depois de esconder o cadáver da avó: "Ela seria até uma boa mulher se a cada instante de sua vida houvesse alguém por perto para lhe dar um tiro".

A Europa está abraçada aos seus algozes. Vamos abraçá-los também?
O padre Jacques Hamel, de 84 anos, foi degolado ontem dentro da igreja Saint-Etienne de Rouvray, em Rouen, na França. Os autores do ataque são militantes do Estado Islâmico. Para nós, católicos, essa morte equivale a um martírio. Talvez não seja por acaso que existe uma coincidência numérica entre a idade do padre martirizado e o número de vítimas mortas no recente atentado em Nice, também na França: oitenta e quatro. Talvez o Inimigo esteja querendo dizer alguma coisa com isso. Talvez ele esteja avisando que os nossos tempos andam a combinar os enredos de "1984", de George Orwell, com "Submissão", de Michel Houellebecq.
Movida por um ódio de origem similar ao que os extremistas islâmicos devotam à civilização, parte da esquerda brasileira não reservou ao padre martirizado a mesma atenção recebida pelo ex-senador Eduardo Suplicy, detido pela PM durante uma reintegração de posse. Os policiais foram extremamente cordiais com Suplicy, até mesmo delicados ao removê-lo de um ambiente onde ele estava obstruindo a lei. Mas, para muitos de nossos esquerdistas, a verdadeira vítima da brutalidade é o sr. Suplicy, não o padre Hamel. Truculência, para eles, é carregar Suplicy, não degolar o padre. Vivemos no mundo em que o happening ideológico desperta mais compaixão que o degolamento de um ser humano.

Nos últimos anos, a civilização ocidental vem sendo destruída por gangues de terroristas (na Europa) e de assaltantes do poder (no Brasil, na UE e em outros lugares do mundo). Quem não entendeu isso, desculpe, mas não entendeu nada. Quem não compreende a gravidade dessa luta – e a identidade do Inimigo – continuará prestando solidariedade ao suposto quixote Suplicy e, como a avó do conto, dizendo a quem vai matá-la em seguida: "No fundo, você é um homem bom. Eu vejo nos seus olhos".

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