Imagem ilustrativa da imagem A vitrola do meu primo
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Meu primo Natan nasceu no começo dos anos 60, foi abandonado pela mãe e adotado por uma senhora caridosa, minha bisavó, que seis meses depois morreu de câncer. Criado por minha avó, teve como tutoras suas duas irmãs, que oficialmente eram suas sobrinhas, mas na verdade eram suas mães.

Meu primo Natan não gostava de estudar. Gostava de rock’n roll (me lembro de ouvir "Under My Thumb" na sua vitrola, na casa da Rua Castro Alves). Usava óculos, tinha dentes bonitos, quando sorria todos o amavam.

Meu primo Natan andou em más companhias, largou a escola, não quis trabalhar, usava maconha, depois outras drogas. Queria ter uma banda, mas não sabia tocar nenhum instrumento. Continuou nas drogas.

Meu primo Natan deu uma festa de arromba quando meu avô morreu — mas não por crueldade nem por alegria, e sim por desespero. Naquele dia juntamos os tios, os sobrinhos, as irmãs e fomos limpar a velha casa da Rua Castro Alves para que para que minha avó não visse nada ao voltar de São Paulo.

Meu primo Natan era simpático, era legal. Eu gostava de conversar com ele. Nos anos 90 falávamos de rock e (acho que) de revolução. Eu tocava violão, tomávamos cerveja, mas não usávamos droga ilícitas (ele não usava maconha na minha frente; era uma espécie de acordo tácito entre nós).

Meu primo Natan casou, mudou pro Sul, ficou doente. A mulher morreu de aids, ele voltou pra São Paulo. As irmãs o ajudaram: deram-lhe casa, deram-lhe mesada.

Meu primo Natan era um homem bom: chorou quando minha avó morreu, chorou quando meu pai morreu, chorou quando minha mãe morreu. Chorava e pensava na mulher que o abandonou no começo dos anos 60.

Meu primo Natan perdeu tudo para as drogas: a casa, a saúde, a confiança, o futuro e até o sorriso — pois seus dentes já não são bonitos. Depois de um período na prisão, vive agora em uma casa de repouso. Está com trinta e cinco quilos. Parece muito, mas muito mais velho do que é.

Eu penso no seu sorriso, nos momentos de alegria que aquele simples sorriso despertava. Quando eu tinha três anos, fiz um desenho dele, ficou muito engraçado. Todos gostaram, deram risada. Ele gostou, riu também, isso foi na época em que meu vô e minha vó moravam na Rua Brigadeiro Galvão.

É incrível, mas eu lembro desse desenho; e me lembro da vitrola onde ele pôs o LP dos Stones pra tocar "Under My Thumb".

Até que um dia eu descobri que o nome Natan quer dizer presente de Deus. Então Deus quer dizer alguma coisa com isso tudo, meu primo, alguma coisa.

Natan, você é o homem mais forte que eu já conheci, apesar de tantas fraquezas. Você nos faz lembrar que a vida é um presente. Obrigado, meu primo. Um dia a gente se vê e eu encontro aquele desenho e aquela vitrola.

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