Imagem ilustrativa da imagem A cidade da saudade
| Foto: Gustavo Carneiro/5-12-2016



Espero o ônibus na Praça Willie Davids e encontro Cíntia Gonzales, amiga a quem não vejo há muito tempo. Ambos chegamos a Londrina no mesmo ano, 1989, vindos de Araçatuba para estudar na universidade. Eu continuei em Londrina e não pretendo sair daqui; ela esteve fora por dois anos, mas não suportou a saudade e voltou, trazendo a família. Hoje, com três filhos moços, ela é professora de ensino fundamental e realiza um belo trabalho de educação com crianças especiais.

Cíntia se lembra de seu primeiro dia de aula na UEL: 28 de agosto de 1989. Exatamente 21 anos depois, em 28 de agosto de 2010, por uma inacreditável coincidência, ela voltou à universidade para fazer um curso de especialização no campus. Ela também foi aluna de minha mãe no Instituto de Educação (IE) de Araçatuba, onde minha mãe estudou com meu pai nos anos 50, sem que um conhecesse o outro. Mas vocês sete já sabem que eu não acredito em coincidências, não é mesmo?

Pergunto à Cíntia sobre essa estranha força atrativa que nos faz as pessoas voltarem para Londrina sempre. Aconteceu com meu amigo Rodrigo Kasecker, que deixou um bom emprego para voltar à terra. Aconteceu com minha amiga Maitê Uhlmann, que morou em várias cidades — algumas grandes, algumas paradisíacas —, mas só quis voltar mesmo para Londrina. Aconteceu com o professor Ricardo Vélez Rodríguez, colombiano que é um dos maiores nomes do pensamento liberal da América Latina, e também resolveu morar aqui depois da aposentadoria. A mesma coisa fez Dom Geraldo Majela Agnello, que escolheu Londrina após ter sido secretário de S. João Paulo II e arcebispo-primaz do Brasil.

Por que voltamos a Londrina? Que magnetismo é esse que nos atrai de volta à terra cor de sangue e café? Será simplesmente saudade? Ninguém tem uma explicação racional para esse eterno retorno. O único método para resolver o enigma é a intuição: impressões que deixo registradas aqui, para que não fujam como as nuvens do final de tarde.

Em uma aula memorável, Olavo de Carvalho explica que o amor não é um sentimento, mas um modo de ser. Penso que a saudade que sentimos de Londrina é semelhante: mais do que algo que se sente, algo que se é.

De vez em quando, relembro algumas tardes e noites tristes de minha adolescência, ou mesmo algumas melancolias inexplicáveis na infância, e penso que eu estava sentindo saudade de Londrina antes mesmo de conhecer Londrina.

Como um veterano de guerra que volta serenamente ao campo de batalha, gosto de pensar em tudo que me aconteceu nesta cidade, inclusive meus inumeráveis erros e pecados. As cicatrizes do pecado foram tirando os excessos da minha alma, como um escultor tira os excessos da pedra para transmudá-la em estátua. Mas foram tantas cicatrizes que a minha alma vai tomando a forma de um pequeno coração, semelhante à singularidade existente no núcleo de um buraco negro, onde não existe tempo e do qual nem a luz pode escapar.

Quando restar de mim apenas esse coração, entenderei que a cidade da saudade é a forma do meu ser: a linguagem que Deus criou para me perdoar e salvar.

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