Imagem ilustrativa da imagem A beleza salvará o mundo
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"Beleza é verdade, verdade é beleza — é tudo
O que sabeis na terra, e tudo que deveis saber."
(John Keats, poeta inglês)

Durante uma reunião do Conselho Municipal de Cultura, um companheiro me perguntou, com certo tom de indignação na voz: "O que você entende por verdadeira cultura?" Como não tive oportunidade de responder-lhe na hora, faço-o aqui. É simples, amigo: cultura é discernimento. A cultura existe nas formas e símbolos portadores de valores universais. Em outras palavras, o fenômeno cultural aponta para a tríade verdade, bondade e beleza. Fora isso, pode ser entretenimento, pode ser propaganda política, pode ser agenda ideológica, pode ser lacração e pode ser registro etnográfico. Todas essas manifestações devem ser livres (dentro dos limites da lei) e merecem respeito, mas não fazem parte da verdadeira cultura, não participam do grande diálogo civilizacional de todos os tempos.

Sem discernimento, acabaremos dizendo que uma letra de funk e um poema de Camões são equivalentes; que não se pode distinguir uma canção do meu amigo Chico Buraco e uma peça de Molière; que o peladão do Igapó e uma estátua de Bernini são "legais, cara!"; que um romance de Machado de Assis e uma novela lacradora da Globo têm a mesma importância literária; que a boneca suicida da escola estadual e uma tela de Edward Hopper merecem idênticos aplausos do público. É essa falta de discernimento que leva um país a escolher Anitta como mulher do ano e esquecer a professora Heley de Abreu, que salvou as crianças do assassino da Creche Gente Inocente.

Os teólogos escolásticos diziam que verdade, bondade e beleza sempre caminham juntas. Ainda que o advento da modernidade e as ideologias de massa tenham separado essa tríade, um teólogo contemporâneo como Hans Urs von Balthasar aponta para a permanência da unidade entre os valores que fundamentam a cultura:

"Nossa situação hoje em dia mostra que a beleza exige para si tanta coragem e decisão quanto exigem a verdade e a bondade, se não mais, e ela não vai permitir ser separada e afastada de suas irmãs sem arrastá-las junto num ato de misteriosa vingança. Podemos ter certeza de que todo aquele que zomba de sua figura como se fosse o ornamento de um passado burguês... já não pode rezar e, em breve, não será mais capaz de amar."

É do príncipe Míshkin, protagonista do romance "O Idiota", de Dostoiévski, uma frase que reacende nossas esperanças: "A beleza salvará o mundo". Na palestra do ciclo "Expedições pelo Mundo da Cultura", hoje à noite, este cronista de sete leitores tentará fazer uma reflexão sobre as três irmãs da cultura universal — beleza, bondade e verdade — à luz de três autores canônicos: o brasileiro Machado de Assis, o russo Fiodor Dostoiévski e o italiano Alessandro Manzoni. A fonte de inspiração, claro, é o saudoso professor José Monir Nasser (1957-2013), além do crítico norte-americano Gregory Wolfe.

— Palestra "Expedições no mundo da cultura". Hoje, às 19h30, no Centro Paroquial São Vicente de Paulo (Av. Madre Leônia Milito, 545). Entrada franca e sorteio de livros.