Uma das inúmeras alegrias da história sagrada é conhecer a humildade com que Deus decidiu vir ao mundo. Ele poderia, se quisesse, ter surgido de maneira resplandecente e grandiosa, como um imperador ou chefe político-militar. Mas optou por vir ao mundo pobre, indefeso e discreto, no seio de uma jovem judia da então desprezada cidade de Nazaré. Veio ao mundo como filho adotivo de um operário marceneiro. Nasceria na manjedoura — porque o maior dos palácios humanos não passaria de um estábulo diante da incomensurável grandeza de Jesus na pequenez. Morreria na cruz — porque só ela permitiu a ressurreição.

No último final de semana, nós cristãos católicos comemoramos o Dia da Anunciação. Eis outra passagem que me comove profundamente. Antes de vir ao mundo, Deus pede — isso mesmo: pede — a uma jovem mulher a autorização para fazê-lo. Por um instante, como imaginou S. Bernardo de Claraval, o céu e a terra suspenderam a respiração, à espera da resposta de Maria. Para alegria de todos, a noiva do próprio Deus disse sim: "Faça-se em mim segundo a vossa palavra". Note-se aqui a humildade de um Criador que, por assim dizer, coloca-se nas mãos de uma criatura humana.

Imagem ilustrativa da imagem A alegria da família
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Ao longo dos séculos, a cena da Anunciação tem inspirado gerações e gerações de artistas na pintura, na escultura, na música, na poesia. Seguramente, no momento em que você lê estas palavras, há alguém no mundo pronunciando, em algum idioma, a mesma saudação do Anjo Anunciador: "Ave Maria, cheia de graça..." O papa Bento XVI, em minha opinião o maior pensador vivo, nota a semelhança entre as palavras "alegria" e "graça" no grego, idioma em que foi escrito o Evangelho de São Lucas. As duas palavras — "khara" e "kharis" — possuem a mesma raiz. "Alegria e graça andam juntas", diz o papa emérito, na sua pequena obra-prima chamada "A Infância de Jesus".

Pois foi com enorme alegria que tive a graça de encontrar poucos dias atrás, em uma de minhas perambulações pela cidade, o livro "As Horas de Katharina", do poeta brasileiro Bruno Tolentino. Na página 33, há um poema em que o Anjo louva a Virgem: "Canta a canção do lírio e do alecrim,/ essa canção que és e que na treva,/ na escuridão da carne, andava perto/ da imensidade que te invade. E assim/ como o imenso te ampara,/ ó voz tão clara/ que consolas e elevas,/ vem, desperta,/ matriz da eternidade e d’O sem-fim,/ ó mãe de Deus, canta e roga por mim..."

A Anunciação está ocorrendo agora, no momento em que você lê esta crônica. É uma alegria tão grande que não nos cansamos de repetir uma, dez, 50, 150 vezes as palavras anunciadas há mais de 2 mil anos, em uma pobre casa de Nazaré. A alegria e graça andam juntas, assim como a grandeza e a pequenez. E ambas se encontram na instituição pela qual Deus quis vir ao mundo: a família. Essa mesma família que hoje é perseguida, aviltada, difamada e bombardeada por todos os lados. A minha família, a sua família, a nossa família. A Sagrada Família. O que nos restará, ao fim de tudo, é ela.