A ideia de progresso provoca mais incômodos do que alívios. Há, sem dúvida alguma, um ímpeto conservador nos seres humanos, uma espécie de "capa protetora". Afinal, o que está em xeque é sempre um modo de vida com o qual se está acostumado, preenchido por bens simbólicos e materiais considerados insubstituíveis. A incerteza não é bem-vinda.
É conhecida a imagem do "Anjo da História", que Walter Benjamin, em 1940, criou a partir de uma leitura original de um instigante quadro de Paul Klee, finalizado em 1920 e intitulado "Angelus Novus". De costas para o futuro, um anjo voa no tempo, perplexo por observar os destroços que vão ficando para trás. Seus olhos arregalados não se conformam: a atordoante viagem produz um rastro de destruição. O anjo quer parar, mudar as coisas, mas uma tempestade o lança para a frente. Essa tempestade, ensina-nos Benjamin, é o progresso.
No decurso do século 20, a posição do anjo da história foi sendo invertida. No lugar das utopias universais, que intuíam deter a fúria da tempestade, o futuro se individualizou e passou a receber feições intimistas – no limite, privatizadas e intransferíveis. A boa nova tornou-se a utopia de cada um, a existência avessa a projetos comuns. O novo imperativo do progresso passou a ser a consciência individual. De alguns anos para cá, quando os resultados mais evidentes do individualismo só evidenciaram desastres – da alma ao meio ambiente, do corpo aos direitos sociais –, o anjo foi forçado a percorrer a história de cara virada contra o futuro mais uma vez. A percepção do que antes era "destruição", no entanto, mudou: o destino da humanidade agora depende de uma vigorosa reconstrução do passado.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês falecido em janeiro de 2017, registrou em seu último livro, publicado postumamente e recém-lançado no Brasil, que o anjo da história, em sua nova aventura reversa, lamenta o que o progresso varreu e enterrou, desejando, seja como for, resgatá-lo. O livro de Bauman tem o sugestivo título de "Retrotopia".
Indiferentes às questões públicas e pouco sensíveis aos valores democráticos, os movimentos "retrotópicos" anseiam reerguer um suposto mundo perdido, apelando para adorações religiosas fundamentalistas, odes a regimes militarizados e apoios abertos a personalidades autoritárias. Em suas versões mais caricatas (nem por isso menos nocivas), os retrotópicos contemporâneos sustentam-se em teorias esdrúxulas, difundidas por astrólogos de botequim ou falsas celebridades ressentidas e solitárias.
Em vez do sonho impossível (o não lugar que, desde Thomas Morus, no início do século 16, reinventa ideias e lutas), vingam hoje a retrotopia e seus acenos a ordens sociais retrógradas, muitas vezes violentas, intolerantes e excludentes. A reatividade dos retrotópicos aposta no esquecimento e na condescendência daqueles que, por inúmeros motivos, desistiram de enfrentar os amargos da história. A retrotopia é um voo desnorteado, condenado a recriar um passado que, de fato, jamais existiu como paraíso. Trata-se, portanto, de uma crença deslocada, típica desta época de tantos conflitos, pensamentos preguiçosos e frágeis esperanças.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL - [email protected]