Imagem ilustrativa da imagem O destino do cronista
| Foto: Shutterstock



Na mitologia grega, o Tempo (Cronos) é filho do Céu (Urano) e da Terra (Gaia). Implacável e devorador, mesmo sob comando do deus dos deuses (Zeus), o Tempo é onipresente e tem poder de definir quando as coisas poderão ou não ocorrer. De seu nome, nasce uma das mais interessantes façanhas da criatividade humana: a crônica, um tipo de texto que brinca com o tempo cotidiano, com os acontecimentos e as personagens mais simples, dando-lhes brilho e beleza.

O Brasil é berço de cronistas excepcionais, como, só para citar alguns, Machado de Assis, Lima Barreto, Luis Fernando Veríssimo e Moacyr Scliar, além do mestre Rubem Braga, de cujo "jardim do alto", construído de forma artesanal no topo de um arranha-céu em Ipanema, no Rio de Janeiro, inspirou várias gerações de escritores. A casa de Rubem Braga é o lar imaginário de todo bom cronista brasileiro.

A crônica não tem compromisso explícito com a objetividade. Ela é fruto de um espírito poético que arredonda letras e ideias, de acordo com o talento de seu artífice. Numa crônica interessante, realidade e imaginação se misturam, presente e passado se reúnem e se tornam indissociáveis. Pela pena do cronista, o mundo é reinventado e os leitores são agraciados com a oportunidade de perceber os acontecimentos por meio da poesia que lança luz nas trevas e imprime graça onde antes só havia a frieza indiferente dos fatos.

O cronista, nesse sentido, carrega a responsabilidade de informar e encantar, traduzindo a realidade marcada pela linguagem constituída para a imaginação alimentada pela linguagem poética, aquela que se abre para o novo e reacende esperanças. Uma crônica bem-composta é capaz de reorientar vidas inteiras, dar coragem e elevar a autoestima. Embora sua marca seja a singularidade de quem a redige, a crônica é um texto público, um predomínio do tempo sobre a existência.

Para ser capaz de passar do monólogo ao diálogo entre seu autor e o mundo, a crônica necessita expressar as diferenças com as quais está em permanente processo de troca. No intercâmbio, surgem cenários, enredos e parábolas que podem encantar a realidade, emprestando à crônica aquele poder de dar formosura e poesia às coisas, engrandecendo sua proposta de melhorar a vida das pessoas que a leem. É nesse momento que a linguagem poética se instaura, combatendo o utilitarismo, o fatalismo e o ódio de quem espalha o maldizer por meio daquilo que pensa, diz ou escreve.

Há vitalidade e papel transformador em toda palavra escrita. Na união da crônica com a poesia, entretanto, os fenômenos reais deixam de ser inevitáveis. Assim, a dor e a tristeza podem ser evitadas ou, no mínimo, amenizadas. Nesse sentido, para o bem ou para o mal, não é pequeno o poder à mão de um cronista.

Faz tempo que a crônica anda presente em jornais, revistas e até em atividades dentro das escolas. Em sala de aula, uma crônica pode ilustrar muitos temas de várias matérias, da biologia à sociologia, da matemática à filosofia, tornando tudo mais rico e afeiçoado à linguagem da juventude. O texto nascido do Tempo pode, pois, agradar ao Céu e à Terra, fazendo jus à sua poderosa origem.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL