Na década de 1970, na periferia de Maputo, em Moçambique, madrugada adentro, num daqueles momentos difíceis da guerra civil nascida das contradições da luta contra o jugo colonial, o escritor Mia Couto relata que foi ao encontro de um grupo de rebeldes, com os quais estava em sintonia revolucionária.

Acossado pela delicada situação - soldados do exército por toda parte, ruas escuras e um silêncio impossível de medir com a razão -, o autor de "Terra Sonâmbula" sentiu medo, muito medo. À porta de uma casa velha, toda caindo aos pedaços, perguntaram-lhe se era o jovem que publicava poemas no grande jornal da cidade. Ele confirmou, com um discreto balançar da cabeça. Pediram a ele, então, que entrasse. Era bem-vindo. A luta pela libertação do país precisava de poesia.

A poesia, na verdade, é necessária à vida. Ela alivia o peso dos dias e torna, no mínimo, suportáveis as ásperas passagens do tempo. A presença de versos poéticos estabelece um contraponto às exigências pragmáticas da realidade. Contagiados pela objetividade autoritária do dia a dia, os sujeitos que se deixam levar por uma visão poética costumam driblar adversidades e construir alternativas, mesmo quando tudo à volta parece irreversível.

De origem grega ("poiesis", que designa a ideia de "criação"), a palavra poesia tem raízes no lirismo das narrativas épicas e na beleza das grandes epopeias protagonizadas por deuses e titãs. É uma expressão poderosa. Por isso, amplia os horizontes do que cada um é capaz de sentir e, consequentemente, sonhar. Do sonho às coisas, como ensinou o marxista peruano José Carlos Mariátegui, basta que existam conexões humanas.

No campo das realizações mais concretas, portanto, o coração poético se fortalece diante da comparação fecunda que uns estabelecem com os outros. A poesia tem uma dimensão pedagógica fundamental: ela oferece pistas para que se entenda o semelhante e se aproveitem as diferenças que caracterizam a complexa coexistência.

Os humanos estão sempre inovando e criando. Vivem um eterno descobrimento de si mesmos. Na tentativa de desvendar o mundo ao redor, constatam que algo sempre lhes escapa, dada a infinitude do real. Para conseguir lidar com os limites da razão e o alcance frágil das opções mais utilitaristas, a poesia lhes surge como enaltecimento da sensibilidade. A razão abraça o possível; a imaginação poética voa para o infinito, onde o humano obtém a chance de se imortalizar.

O conhecimento que a poesia pode proporcionar é radicalmente distinto daquele que advém da ciência e de suas múltiplas aplicações cotidianas. Ao mesmo tempo, é um conhecimento complementar, que enriquece o espírito e favorece os ideais coletivos.

Mia Couto, um dos mais prestigiados e talentosos escritores da língua portuguesa, percebeu isso ainda na juventude, quando se permitiu sonhar com a liberdade e, assim, se fez um grande sujeito, que conta histórias cheias de poesia para que seus leitores experimentem uma realidade bem melhor.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL [email protected]