Infinita poesia
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quinta-feira, 26 de outubro de 2017
Por Marco A. Rossi
Na década de 1970, na periferia de Maputo, em Moçambique, madrugada adentro, num daqueles momentos difíceis da guerra civil nascida das contradições da luta contra o jugo colonial, o escritor Mia Couto relata que foi ao encontro de um grupo de rebeldes, com os quais estava em sintonia revolucionária.
Acossado pela delicada situação - soldados do exército por toda parte, ruas escuras e um silêncio impossível de medir com a razão -, o autor de "Terra Sonâmbula" sentiu medo, muito medo. À porta de uma casa velha, toda caindo aos pedaços, perguntaram-lhe se era o jovem que publicava poemas no grande jornal da cidade. Ele confirmou, com um discreto balançar da cabeça. Pediram a ele, então, que entrasse. Era bem-vindo. A luta pela libertação do país precisava de poesia.
A poesia, na verdade, é necessária à vida. Ela alivia o peso dos dias e torna, no mínimo, suportáveis as ásperas passagens do tempo. A presença de versos poéticos estabelece um contraponto às exigências pragmáticas da realidade. Contagiados pela objetividade autoritária do dia a dia, os sujeitos que se deixam levar por uma visão poética costumam driblar adversidades e construir alternativas, mesmo quando tudo à volta parece irreversível.
De origem grega ("poiesis", que designa a ideia de "criação"), a palavra poesia tem raízes no lirismo das narrativas épicas e na beleza das grandes epopeias protagonizadas por deuses e titãs. É uma expressão poderosa. Por isso, amplia os horizontes do que cada um é capaz de sentir e, consequentemente, sonhar. Do sonho às coisas, como ensinou o marxista peruano José Carlos Mariátegui, basta que existam conexões humanas.
No campo das realizações mais concretas, portanto, o coração poético se fortalece diante da comparação fecunda que uns estabelecem com os outros. A poesia tem uma dimensão pedagógica fundamental: ela oferece pistas para que se entenda o semelhante e se aproveitem as diferenças que caracterizam a complexa coexistência.
Os humanos estão sempre inovando e criando. Vivem um eterno descobrimento de si mesmos. Na tentativa de desvendar o mundo ao redor, constatam que algo sempre lhes escapa, dada a infinitude do real. Para conseguir lidar com os limites da razão e o alcance frágil das opções mais utilitaristas, a poesia lhes surge como enaltecimento da sensibilidade. A razão abraça o possível; a imaginação poética voa para o infinito, onde o humano obtém a chance de se imortalizar.
O conhecimento que a poesia pode proporcionar é radicalmente distinto daquele que advém da ciência e de suas múltiplas aplicações cotidianas. Ao mesmo tempo, é um conhecimento complementar, que enriquece o espírito e favorece os ideais coletivos.
Mia Couto, um dos mais prestigiados e talentosos escritores da língua portuguesa, percebeu isso ainda na juventude, quando se permitiu sonhar com a liberdade e, assim, se fez um grande sujeito, que conta histórias cheias de poesia para que seus leitores experimentem uma realidade bem melhor.
Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL [email protected]