Imagem ilustrativa da imagem Em defesa da arte
| Foto: Roberto Custódio/27-8-2017



A arte é uma manifestação humana exigente. Por ser múltipla, esbarra na dificuldade de conceituação. Afinal, o que pode ou não ser considerado arte? Como colocar no mesmo maço atividades tão distintas quanto as pinturas rupestres, as catedrais góticas, a caligrafia chinesa, o teatro de Shakespeare, os romances de Dostoievski, os filmes de Eisenstein, a poesia de Drummond, a fotografia de Sebastião Salgado e o cancioneiro de Zé Geraldo ou do Pearl Jam?

Ao contrário da ciência, que não prescinde de leis universais e é chamada a apresentar resultados objetivos, a arte é uma dimensão simbólica da existência humana, uma representação singular do modo como são observados os fenômenos da vida. Ao mesmo tempo, a arte não deseja explicar nem substituir aquilo que representa. Seu intuito é aguçar sensações e estabelecer um campo aberto e divergente de visões de mundo.

A arte promove um conhecimento sensível e valioso para a condição humana. Ela aposta em valores qualitativos tão importantes quanto os valores éticos, uma vez que seu mais importante desafio é enfrentar e vencer o tempo histórico, ou seja, ultrapassar gerações e garantir a permanente intersecção entre o passado e o futuro. O artista, nesse sentido, está prometido à imortalidade.

As sociedades capitalistas, entretanto, têm só o tempo presente. Na ausência de valores éticos e estéticos qualitativos – resultado do respeito à diversidade e do enaltecimento da pluralidade –, generaliza-se a tragédia humana. As atenções se voltam para o quantitativo (o ter no lugar do ser) e o desejo incontrolável de aparecer abre mão de bons motivos para isso. Num ambiente social assim organizado, a arte é vista como uma mercadoria qualquer, que tem por fim acirrar as relações de compra e venda e abastecer poupanças monetárias.

Desqualificar a arte de alguns em nome de preceitos ideológicos ou metafísicos é agredir a condição humana, que tem nas diferentes manifestações artísticas a possibilidade de encontrar subsídios para se reestruturar sensivelmente. Biologicamente, o humano é reflexo daquilo de que se alimenta e dos esforços corpóreos que empreende. Culturalmente, é produto do que vê, ouve e pratica socialmente. A arte, nesse sentido, é ingrediente para sujeitos predispostos a se colocarem no mundo como aprendizes em tempo integral.

Não faz muito tempo, ideólogos nazistas consideraram degeneradas quase todas as expressões da arte moderna. Apoiaram-se na grotesca ideia de que a arte corrompida é fruto de mentes corrompidas. Assim, passaram a exterminar "mentes corrompidas" que produziam "artes corrompidas" e estavam "corrompendo" a moral e os bons costumes. Todo nazista, a quintessência desumana do fascismo, abomina a liberdade de pensamento e ação, mede a tudo e todos pela sua régua falso-moralista e tem como meta exclusiva higienizar o mundo inteiro a partir de suas distorcidas concepções de pureza e beleza.

A defesa da arte é também a aceitação de que outros seres, vindos de outros lugares, socializados de outras maneiras, têm o direito de se expressar livremente, ainda que em oposição a muitos indivíduos e grupos. Aqueles que se insurgem contra a diversidade artística estão, na verdade, em busca de uma sombra para o descanso de seus demônios e de sua corrosiva ignorância.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]