Cem anos depois
Em 1917, o pensador Antonio Gramsci, ao lado de jovens piemonteses, publicou o jornal "La cittá futura", que tinha por objetivo amadurecer o debate sobre os grandes temas italianos daquele início de século, articulando o passado vivido, o presente inevitável e o futuro desejado numa reflexão que pudesse se universalizar e atingir povos de todo o mundo. A publicação continha críticas culturais, análises políticas e ponderações sobre a economia europeia, destruída pelos acontecimentos então em curso da guerra total.

Na edição única de "La cittá futura" – que não pôde sobreviver aos tempos de tantas armas em punho -, Gramsci deixou registrado seu conhecido texto Os indiferentes. Tratava-se de uma crítica mordaz a quem não tem coragem de tomar partido diante de situações delicadas e exigentes, nas quais prevalecem injustiça, opressão e desesperança. Gramsci responsabilizava os indiferentes (esses que veem os outros mais como obstáculos aos seus projetos pessoais do que como parceiros no mundo da vida) pelas agruras da Itália e da Europa, pela disseminação dos horrores da guerra no cotidiano de todos. Em essência, os indiferentes pensam que nada lhes diz respeito, a não ser aquilo que imediatamente lhes traga benefícios e privilégios.

Um século se passou. O mundo de hoje é bem diferente daquele conhecido e enfrentado pela juventude italiana que concebeu e lançou a histórica edição de "La cittá futura". Em toda parte, mudaram as formas de fazer política e experimentar a vida cultural, assim como se transformaram as relações entre leitores e jornais, jovens e informação. A indiferença, contudo, ainda anda à solta.

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| Foto: Arquivo FOLHA



No coração da América Latina, no Sul de um país complexo chamado Brasil, no seio de uma linda e inspiradora cidade com nome Londrina, vem à luz esta "A cidade futura", uma maneira humilde e muito sincera de homenagear cidadãos e cidadãs que não desistem de sonhar com tempos mais felizes, com uma cidade que seja aberta e justa, com ideias que possam circular crítica e livremente, sem jamais se entregar a polarizações fáceis nem temer combater toda forma de indiferença.

Aqui, em "A cidade futura", que, entre outras coisas, reitera a belíssima tradição pluralista e democrática da Folha de Londrina, o intuito será sempre refletir sobre o tempo do agora, rememorando lutas de ontem, aspirando a um amanhã mais promissor, inclusivo, aberto e afeito ao espírito democrático que tanto caracteriza nossa terra vermelha.

O tempo atual tem se revelado tão exigente quanto o início do século 20. Os desafios são diferentes, mas nem um pouco menos dramáticos. A opinião insalubre se alastra, a negação da política intimida, os equívocos de quem não se cansa de querer sempre mais varrem como uma tempestade a vida dos que só podem contar com seu trabalho e entregam tudo à esperança. Como ensinou a dupla João Bosco e Aldir Blanc, em canção imortalizada pela voz de Elis Regina, a esperança precisa ser equilibrista, ou seja, permitir que se possa andar com coragem em uma fina corda suspensa sobre o abismo.

Semanalmente, "A cidade futura" trará uma passagem dessa caminhada, pensando os desafios que se impõem a quem insiste em ser feliz, apesar de – e graças a – tudo. Que a Londrina que tanto queremos, pois, possa ser, um dia, a cidade presente.