Imagem ilustrativa da imagem Betinho, um sociólogo
| Foto: Jonas Cunha/Estadão Conteúdo/12-8-1987



O maior legado do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997), foi ter contribuído para despertar nos brasileiros afeto e indignação, dando visibilidade a milhões de cidadãos subjugados pelo esquecimento e pela miséria.

O franzino mineiro, nascido em Bocaiuva, teve uma vida difícil. Hemofílico, esteve sempre ao sabor das limitações. As rotineiras transfusões de sangue e as dificuldades para executar tarefas simples o obrigaram a interromper os estudos diversas vezes. Dos 15 aos 18 anos, tuberculoso, viveu confinado num quarto em casa. Sempre vencendo os diagnósticos médicos, Betinho renascia e trazia à cena sua vontade de mudar o mundo.

Em 1958, em Belo Horizonte, ingressou na universidade e começou sua caminhada pela Sociologia. Já profissional, foi assessor do Ministério da Educação, no Governo Jango, nas campanhas de alfabetização de adultos idealizadas por Paulo Freire. Destacou-se, também, na luta pela reforma agrária, fato que lhe rendeu o Prêmio Global 500, da ONU (Organização das Nações Unidas).

Criado num ambiente solidário aos mais pobres, Betinho militou na Ação Católica – um bravo ramo progressista da igreja – e, nos anos de ditadura civil-militar, na Ação Popular, uma agremiação que reunia religiosos, estudantes e intelectuais contra os tentáculos do autoritarismo. Nesse período, tornou-se operário numa indústria paulista, uma experiência que lhe permitiu ficar ao lado daqueles que defendeu a vida inteira.

Enquadrado pela Lei de Segurança Nacional como uma "ameaça expressiva ao País", Betinho viveu oito anos no exílio. Na clandestinidade, conheceu Maria Nakano, com quem permaneceria até o fim da vida.

De volta ao Brasil, em 1979, tornou-se símbolo da Anistia. Henfil, o genial cartunista, transformou-se no "irmão do sociólogo Betinho", invertendo um belo verso de "O bêbado e a equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc.

O Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) foi criado por Betinho em 1981. Em atividade até hoje, surgiu para dar suporte aos movimentos sociais pela democracia. Através de pesquisas e análises de conjuntura, o Ibase produziu conhecimento e argumento para os embates políticos no País. Acima de tudo, ensejou uma nova mentalidade pública, disposta a encarar a longa tradição autoritária brasileira e a promover campanhas contra a fome e a desinformação, em favor da ética, da reforma agrária e da participação política.

Em 1986, Betinho descobriu-se portador do vírus HIV. No ano seguinte, ajudou a fundar a Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), para combater o estigma e o preconceito. Em 1988, perdeu os dois irmãos, Henfil e Chico Mário, também contaminados nos bancos de sangue sem nenhum controle do País. "A ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida" foi criada em 1993 e projetou Betinho no mundo, a ponto de ele ser cogitado ao Nobel da Paz.

Nos últimos tempos de vida, dedicou-se à elaboração de uma agenda social para a nação, que preconizava educação, moradia, saúde, segurança e trabalho para todos os brasileiros, integrando o centro e as periferias em espaços urbanos cidadãos.

Hoje, 20 anos após sua morte, é preciso lembrar o sociólogo que ensinou ao Brasil um pouco do dom da generosidade e muito sobre a prática do verdadeiro amor.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL -
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