Imagem ilustrativa da imagem ALÉM DA CONJUNTURA



Análises de conjuntura têm, é claro, sua importância. Elas articulam os eventos econômicos, políticos e culturais do presente e os associam ao passado mais próximo, vislumbrando clarear acontecimentos e apontar alternativas sob tempestade.
A compreensão conjuntural, no entanto, é insuficiente.
Para um entendimento histórico de fôlego, é necessário investigar questões estruturais mais profundas e abrangentes. Há calabouços no tempo e no espaço que as sombras do presente ocultam, tornando superficiais muitas leituras da realidade.
Nos abismos das relações sociais se escondem motivações que alteram lentamente posturas e mentalidades. Um movimento silencioso percorre a escuridão e vai alimentando distrações, insatisfações e preconceitos arraigados.
As incertezas quanto à saúde da vida institucional no Brasil são um bom exemplo do poder daqueles que habitam as regiões mais longínquas da percepção cotidiana. Articulações feitas na calada da noite e pacientemente alimentadas por setores ancestrais das elites nacionais, sob o manto ilusório do inesperado e espontâneo, surgem nos espaços públicos contaminadas por velhos vícios privados. Conjunturalmente, parece que tudo não passa de desdobramentos típicos da política, com suas surradas correlações de forças e disposições momentâneas. No fundo, para olhares rebeldes e exigentes, um certo sentido da história insiste em seu trajeto. É fecundo lembrar Raymundo Faoro, que, em "Os Donos do Poder", publicado em 1958 e ainda atualíssimo, garantiu: as elites brasileiras jamais perderam uma batalha.
A cobertura midiática destaca o ordinário e aparente, disseminando o que têm a dizer as chamadas "partes envolvidas". Às vezes com alguma sofisticação, os meios de comunicação social pertencentes aos grandes grupos e conglomerados econômicos enfeitam sedutoramente os acontecimentos, dando a entender que a realidade pode ser capturada de modo objetivo, límpido, sem nenhum tipo de interferência ideológica. Desse tipo de crença na transparência dos fatos nasce a ideia de que os veículos de informação são neutros, imparciais e justos. Parte expressiva das conjunturas em debate tem sua matéria-prima extraída desses meios e mídias.
As inclassificáveis manifestações de ódio na contemporaneidade são fruto dessa larga e contínua "deformação" do debate público, cujos protagonistas mais autoritários vestem pele de inocência e escamoteiam suas carcaças predadoras. Muitos dos que insuflam agressões físicas e manifestações truculentas, desvirtuam expressões para justificar suas bandeiras medievais (como no caso das horripilantes investidas contra a urgente presença da questão de gênero nas escolas) e cultivam uma indiferença criminosa diante da pilhagem do País por representantes dos três poderes são produtos dessa "conjuntura" de parâmetros fabricados nos porões da história e nos momentos proibidos do tempo.
Para ampliar o debate público e qualificá-lo, a coragem se faz necessária. Para início de conversa, será preciso ir além das evidências e, também, admitir que a realidade é infinitamente maior do que a capacidade conjuntural de abarcá-la – ela é, em si, inesgotável.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL [email protected]