Toda viagem tem início no instante em que começa a ser planejada. A escolha dos destinos, a aquisição de mapas e roteiros, a definição dos lugares a visitar, a leitura sobre a cultura e a história dos povos que constituem as complexas dimensões do tempo e do espaço, tudo já é a viagem e já faz parte das lembranças que acompanharão os viajantes por toda a vida.

O momento maior de uma viagem, contudo, é o encontro com a diferença. Ao se deparar com povos que fizeram histórias (e por elas foram feitos) distintas das suas, o viajante encara o que há de mais humano em si mesmo e se percebe parte de uma universalidade antes apenas teorizada e especulada. A grande viagem, nesse sentido, é em direção ao outro, em seu lugar de vivência, em seu espaço de autoconstrução como parcela genuína e singular do gênero humano.

Pelas passagens do mundo, em cujo rico e sinuoso traçado estão aqueles que sonham e se aventuram pela vida de muitos modos, é possível retornar no tempo inúmeras vezes e reelaborar o presente das mais inusitadas maneiras. É essa viagem mágica que torna o futuro algo sempre aberto – nada nem ninguém tem o poder de determiná-lo sem experimentá-lo de fato.

A luta pela preservação da memória (essa misteriosa palavra que impede as pessoas de esquecerem quem são e de onde vêm) passa pela valorização da cultura. Não há memória onde inexistem trovadores, poetas, prosadores, desenhistas, escultores, pintores, fotógrafos, cineastas, enfim, gente que captura os sentidos da existência com sensibilidade e talento, recuperando identidades, descortinando fatos, abrindo mentes e corações. Da mesma forma, será triste o amanhã dos povos que não mantiverem de pé suas bibliotecas, suas casas de espetáculos, suas salas de cinema, seus museus, suas escolas e universidades, ou seja, as instituições sociais que promovem e preservam o patrimônio histórico e cultural. Sem um atento olhar para o tempo que já se foi, o tempo que ainda é jamais será melhor, mais belo, verdadeiramente justo e democrático.

Numa época de tanta crise esfolando a política e arruinando a economia, a cultura é duramente agredida, com cortes de recursos e, no limite, com a mais profunda das indiferenças. O valor público da cultura, contudo, se agiganta quando é inevitável relacionar os sintomas mais agudos da crise e o empobrecimento progressivo do ser humano.

Governos decentes e cidadãos que empreendam com responsabilidade reconhecem na cultura a base vital da boa vida em sociedade. Sem cultura, não haverá história para contar. Grandes governos e necessários cidadãos, antes de tudo, são destemidos viajantes, cujos mapas de vida revelam interesse e respeito pelo outro, esse sujeito coletivo que ensina um pouco do que há de formidável em todos – e é na cultura que o outro reside e deseja ardorosamente ser encontrado.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL