Quando a gente pensa em algo que não é exatamente real, uma ideia, uma obsessão, um fato sem outra versão, há uma chance muito grande de haver mal-entendidos.

E, hoje tem uma figura de linguagem que praticamos cotidianamente, mesmo sem perceber, e que eu adoro: antropomorfização.

Abraços e até amanhã!

Patrícia Maria


APARENTE PERDA

Colocou seu melhor terno de linho preto sobre a camisa branca. Minutos se passaram para que a escolha da melhor gravata fosse feita cuidadosamente. O sapato nunca havia sido usado, triste ocasião. Perfume? Não muito. Ia em direção à porta quando se lembrou que seria abraçado, deu alguns passos para trás e voltou a se perfumar. Em frente ao espelho, enxergou os móveis bem desenhados sobre o tapete que viera de outro continente para cumprir a função de se enquadrar na decoração do cômodo.

O homem de poder nunca precisou de mulher para opinar em suas vestimentas e nunca se viu tanta elegância em uma só pessoa. As tarefas domésticas eram feitas por empregados bem pagos pelo chefe. Os negócios iam bem, os filhos, matriculados em colégios renomados da cidade, desenrolariam poemas em outros idiomas se assim quisessem.

A vida corria bem, a não ser por um deslize da esposa em deixar correr boatos de que se encontrava com outro homem enquanto o marido trabalhava para custear suas roupas de grife e salão de beleza. 'Pobre doutor!' Mesmo informado do assunto que percorria a cidade, não a expulsou de casa, nem ao menos reclamou, fingiu que nada acontecia. Ele a amava.

Ajustou sua gravata e se aproximou do espelho, fitou os olhos para certificar de que estavam avermelhados o bastante. Desceu as escadas sem dar sinais de euforia e cumprimentou os amigos e familiares que vieram lhe entregar apoio em um momento difícil. Sua mulher morrera envenenada durante um drink que tomara com o suposto amante enquanto o marido comprava sapatos novos. 'Pobre doutor!'

LAIS TAINE é diagramadora na Folha de Londrina.


Lais, me conta menina! O amante foi preso suspeito pelo crime? O doutor era do signo de capricórnio com ascendente em escorpião e lua em áries? Vimos tudo!!

O SUTRA DA JOANINHA ASSASSINA

Entrei no meu carro. Encontrei na parte de dentro do para brisas uma pequena joaninha. Ela era de um vermelho aguado quase alaranjado, bolinhas pretas perfeitamente redondas e posicionadas com simetria incrível. Enormes olhos brancos se destacavam no meio de seu rostinho preto afilado.

A pequena belezinha foi convidada, de todas as maneiras, a se retirar do veículo. Em cada sinaleiro, saída de garagem ou parada inútil, eu me esforçava para tirar esse pequeno Buda redondinho e com pintas nas costas do meu caminho.

Lá continuava ela em sua concepção de tudo e nada. Se sabendo que não fosse uma joaninha seria um castelo e ninguém daria à mínima que continuaria sendo um eterno vazio, vácuo no espaço do tempo.

E, ao invés de sair do meu carro, não é que essa pelota tenta me matar.

Ela vem pra cima de mim, no momento de uma curva, voando com as suas asas amarelas e se joga contra o meu nariz. Tudo bem que ele é fácil de se acertar, mas eu não esperava o ataque desta sapeca, desta Joana Ninguém, e quase saio da pista.

E, apesar da minha raiva dela, já que eu tentei ajudá-la de todas as maneiras mas ela queria porque queria nos matar daquele jeito, eu a perdoei e a soltei em uma árvore no lago. Agora ela é uma Joaninha Buda feliz, no mundo das joaninhas sem fim.

VINÍCIUS CARNEIRO GOUVEIA é advogado, guitarrista e leitor da Folha de Londrina.


Como você pode abandonar a pequena a própria sorte? Tá na cara que rolou uma empatia dela por você, Vinícius. O que você interpretou como cilada, era amor, ôh, ôh! E, a parte que a joaninha pensa que se fosse um castelo seria um vácuo no tempo, não entendi.



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Enquanto esperamos o Vinicius recuperar a joaninha no lago e dar um lar para ela na árvore de sua casa, escrevamos, ó amado povo do brasileiro!! Aguardo seus textos: [email protected]