Sabe aqueles ímãs de geladeira "Como estou me sentindo hoje?". Eu tive um certa vez e, mesmo que o dia estivesse virado do avesso, eu posicionava o sentimento em 'apaixonado'. Nunca falhou. Todo mundo que olhava aquele ímã saía com um olhar vago, um sorrisinho sincero nos lábios pensando no amor, de quem quer que fosse.

Apesar dos textos de hoje não estimularem "borboletas no estômago", considero que seja um bom começo para a nossa discussão em torno do tema polêmico d'essa barra que é gostar de você'.

Eu ri! Vamos em frente.

Abraços,

Patrícia Maria


APP(AIXONADO)



Era uma fábrica um pouco excêntrica. Os produtos se exibiam numa esteira rolante. Ali, as mercadorias tinham a oportunidade de mostrar suas funções e utilidades; de expor seu design diferenciado e acabamento perfeito a fim de atrair o interesse das clientes que têm poder de escolha caso sua decisão não coincida com as das outras compradoras.

Era uma fábrica muito conhecida que vi na TV à tarde, cujas mercadorias se moviam, falavam, transavam e (por que não?) amavam. Era uma fábrica fantasiada de quadro de namoro. Longe de descrever o mundo pela ótica capitalista, foi impossível não metaforizar a atração televisiva ao sistema de (re)produção. Parece louco, mas esse quadro me pareceu então ter mais vantagens, por ser uma experiência bem mais carnal, que os aplicativos utilizados para encontrar um novo amor.

O amor está cada vez mais intangível e as frustrações são corriqueiras e inaptas para aqueles que nasceram com a promessa de uma felicidade plena e irrevogável.

Mas Zygmunt Bauman teoriza as relações voláteis e momentâneas num mundo cada vez mais dinâmico e veloz. Longe de sofrer de amor, os indivíduos buscam a todo o momento um novo parceiro, conforme o namoro atual cai na rotina. Com a rapidez das tecnologias, as pessoas intensificam e encurtam o prazer da mesma maneira que publicam de forma sucinta suas frases em 240 caracteres.

A humanidade vai se conectando e uma gama de experiências torna-se acessível, barrando qualquer acordo duradouro entre dois indivíduos (aqui cabe três ou mais parceiros, dependendo da relação que se estabelece). É impossível não participar dessa nova realidade amorosa. Sou um exemplo de como a distância encurtada pela conectividade descaracteriza todos os anseios advindos de uma paquera inocente.

Meu irmão gêmeo, certa vez, resolveu experimentar o aplicativo Tinder e encontrou no cardápio, um antigo flerte meu. Antigo e sem futuro. Pedi para dar um "like" para ver o que acontecia, afinal a vantagem genética favorecia minha camuflagem. A pessoa retornou o "like" e deu "match" (a grosso modo tudo se equivale a uma curtida no Facebook)

Final da história, eu pude perceber que o interesse era mútuo, se fosse há alguns anos atrás. Ainda bem que me mantive na defensiva.

Entre o aplicativo e o quadro ruim de namoro, agora prefiro o aplicativo, porque sou gêmeo e tenho um irmão que não se importa em se passar por mim. Recurso vantajoso, mas sacana por encontrar a vítima num app um pouco safado. Manter o romantismo está complicado, desculpa a sinceridade, mas com essa vida andando a mil não tem outra escolha. Na poesia, o curto e grosso é travestido de Carpe Diem; na tecnologia, em forma de match ou 240 caracteres. #Amosoubauman.

BRUNO PETRI é estudante em Londrina.


Bruno, a sua pessoa dá um 'mach' e fim da história? "ainda bem que me mantive na defensiva?" Quê? *** Procura-se o dono deste texto. Essa história cheia de vácuos precisa de um autor, porque eu preciso de respostas. Só tenho uma pista. Ele tem um irmão gêmeo. ATUALIZAÇÃO: Achamos o autor do texto!



Ele é de gêmeos e eu, escorpião



Maio de 2001 - Ela acordou cedo na manhã daquela terça-feira. Enquanto tomava seu café aos goles apressados, mantinha os pensamentos no além. Vestiu sua mochila carregada com os costumeiros dez quilos de livros e cadernos e correu para o ponto de ônibus. "Atrasada como sempre, mas um dia eu aprendo a não sair de casa em cima da hora". Nunca aprendeu. Naquela manhã, teria aulas de português. As duas primeiras horas eram sobre gramática e as outras duas, literatura. Quando chegou, a sala já estava cheia.

Uma pequena multidão se acomodava no anfiteatro do cursinho pré-vestibular e coçava os olhos para se manter acordada. Avistou sua companheira de estudos e pelas fileiras de cadeiras foi se esgueirando até chegar próximo de sua 'panelinha'. "Que transtorno. Tenho que repensar minha amizade com a 'turma do fundão' é muito engajamento logístico".

A aula de gramática seguia como pode se seguir uma incursão às cegas em um labirinto. A professora tentava, sem muito êxito, explicar para duzentos jovens sonâmbulos, a lógica das funções sintáticas dos pronomes relativos enquanto conjunções integrantes das orações subordinadas substantivas. Sorriu. Ela gostava de pensar que análise gramatical podia ser mais complicada que geometria analítica e álgebra linear. "Deve ser mais fácil encontrar a equação da circunferência do Maracanã que a função sintática da palavra 'que' nos versos de 'Os Lusíadas'". Não conseguia tirar Camões da cabeça. Não importava o quanto estudasse, a quantas aulas fosse submetida. Ainda achava que era mais fácil calcular o volume de um jacaré-de-papo-amarelo que entender a métrica dos versos decassílabos e seus ritmos. A razão da sua revolta é que havia mais de uma semana que usava o tomo d'Os Lusíadas' tal qual luvas e não o conseguia entender. "Português maldito", embicou. Notou que a aula já estava no fim e em seguida teria de enfrentar a análise do Canto I.

***

Não nutria bons sentimentos por Camões. Inclusive gritava sempre que podia que com toda essa lógica e disposição para calcular ele poderia ter inventado a geometria analítica cem anos antes de Fermat. Com cenho franzido isolou-se em uma sala regular, vazia naquele horário, e aguardava o início da próxima aula. Sentou-se e começou a ler um livro sobre a vida e obra do poeta, escolhido aleatoriamente, dentre trezentos que se ocupavam deste assunto, na prateleira empoeirada do Sebo Capricho, no dia anterior.

Algumas páginas depois, percebeu que, ao narrar a biografia de Camões de uma forma pouco convencional, o autor daquele misterioso livreto estimulou nela uma curiosidade sobre o poeta português de uma maneira que até então não se verificara. Submersa em suas descobertas, não sentiu a hora passar; não viu a aula de decassílabos heroicos passar; não notou que o tempo sumiu ao seu redor. Era como se o mundo não fizesse diferença perante seu encantamento. De um desconhecido, a quem se trata pelo sobrenome, a amigo íntimo, Camões virou Luís. O que os aproximou? Dois quartetos, dois tercetos, catorze versos, dez sílabas métricas, tônicas em seis e dez, pequenas canções, imensuráveis sonetos.

"Envoltos de uma névoa de mistério, sobre quantos foram escritos; quantos que, a ele atribuídos, são realmente de sua autoria; objetos de estudos e pesquisas intermináveis os sonetos de Camões são uma obra aberta, viva e atual", lia nas páginas amareladas. "Isso está mexendo comigo". "Eram elementos típicos do Maneirismo da Era Clássica e típicos da vida em qualquer tempo." continuou a leitura. "Luís procurou analisar as emoções humanas com a razão, lançando mão de raciocínios lógicos próximos da matemática natural. Não aquela que se utiliza apenas de números naturais, mas a que, segundo alguns pesquisadores em neurociência, nos faz capazes de estabelecer, desde a tenra infância, equivalências numéricas entre o que vemos e o que ouvimos."

"Essa é a matemática natural na qual o poeta metrificou seus sentimentos, seu amor por Dinamene?" A leitura estava dando nós no seu estômago. "Não posso concordar, matematizar e metrificar sentimentos pode ser genial, mas as emoções são abstratas e vagas, os cálculos nunca teriam representação real". Não conseguia parar de pensar e resolveu tomar um café, voltou para leitura.

Porém, surpresa e arrependida como quem discute uma ideia sem saber seu fim, percebeu, pelo desespero nos últimos versos, que o Luís também discordou de si mesmo quando entendeu que toda a sua lógica era ineficaz contra a dor irracional do amor; que o sentir ia além dos versos decassílabos e seus sonetos, perfeitos em métrica e ritmo, eram apenas um acúmulo de contradições e paradoxos. Por fim, fechou o livro. Olhou pela janela, já era noite, tinha que voltar para a casa. Soltou um longo suspiro. "Agora entendi o porquê da minha dificuldade para interpretá-lo. Ele é de gêmeos e eu, escorpião."

PATRICIA MARIA ALVES é jornalista na Folha de Londrina e criou esse blog para ler o texto de outras pessoas. Mandem e-mail para ela, está carente. ([email protected])


E, posso te garantir que essa jovem caiu de amores pelos sonetos de Camões como se fosse a bíblia dos sentimentos contraditórios. Aliás, ela deveria ter entendido desde o começo, "Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer."? Tem coisa mais geminiana que isso? Estava na minha cara o tempo inteiro.
Amanhã tem mais amor por aqui! Não chegaremos ao nível do romantismo alemão, mas colocaremos um pé, e voltaremos, ilesos, prometo. Estou ansiosa!!