CAFÉ DAS CINCO
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 25 de maio de 2017
Patricia Maria
Os ingleses costumam tomar o chá das cinco, os brasileiros o café a qualquer hora. Na minha família é assim, café se toma aos litros. Já por isso o fazemos uma nuance mais fraca para que possa acompanhar qualquer assunto, a qualquer hora, sob pretextos quaisquer, convidamos para o café. Os textos de hoje também. "Bora?"
Pegue sua xícara e se aconchegue em frente às suas telinhas, seja do smartphone, tablet ou desktop, e aproveite uns minutos de literatura.
Abraços,
Patrícia Maria.
Há quem não abra mão de um bom despertador, de preferência alto, para pular da cama rápido e como diz minha mãe: "Ir à luta!". Se ajuda? Claro que sim! É um ótimo recurso, porém despertar mesmo, ficar ligadona, só depois de um bom café.
Espresso, forte, fraco, meio amargo, não importa, se é café, "tá valendo".
A cafeína tem seus benefícios, auxilia no sistema nervoso central, mantêm a atenção e melhora o humor, dizia uma pesquisa alemã que li. Não afeta o sono, nem prejudica o coração.
E, Eu acredito! Estou sempre de bom humor. O sono está em dia e o coração vai bem, obrigada!
"Bora tomar um café?"
CRISTINA CARDOSO é estudante em Londrina
Bem sei que é uma bebida importante e nobre, com sofisticadas nuances, distintas maneiras de preparo, diversas qualidades; sob seus auspícios cresceu minha Londrina e prosperou nosso Segundo Império; como não bastasse, tem a função única de ser a prova final da aptidão feminina para o casamento.
Mas não adianta, mesmo consciente de suas tantas virtudes, não consigo gostar de café.
Não me apetecem seu aspecto, seu cheiro e gosto, seja puro, com leite, com conhaque, acompanhado de mil cremes, espresso ou inexpressivo; nem mesmo em forma de bolo, pudim, bala, mousse ou quaisquer meiguices afins o café me desce. Desculpem-me. O mais próximo que eu estive de apreciá-lo foi quando, nos idos dos meus 15 anos, ao fazer um elogio desajeitado a uma colega de sala, descobri no fruto uma bela cor de esmalte.
Mas que tipo de pessoa não gosta de café?, já me interpelaram, com justificada ira. Pesaroso e culpado por tamanho lapso no gosto pessoal, encontrei uma singela forma de compensação: mesmo nunca concretizados literalmente, meus convites para uma saída descompromissada por aí geralmente vêm em forma de "Vamos tomar um café?".
O chamado para um café está carregado de características e charme próprios. Não peca pela triste vagueza de um "Vamos beber alguma coisa?", que dá a impressão de desleixo; não exige o compromisso alcoólico implícito em um simples e direto "Vamo bebê"; nem é constrangedor como "Vamos tomar um sorvete?", uma opção atraente no âmbito gastronômico, mas que parece coisa de gibi da Mônica.
Há elegância e sutileza, há uma gama de significações que vão muito além de simplesmente ingerir a bebida quando se pede para tomar um café com alguém.
Custa-me lembrar disso, pois minha companhia melhor e mais frequente para um café se encontra distante geograficamente. Ali, o ritual do café se realizava pleno.
Podia ser qualquer dia, qualquer hora. O convite vinha repentino, com uma rara casualidade verdadeira. Não havia o enfadonho da antecedência, do cálculo, do preparo artificial. E lá estando, não havia hora para voltar - ou,se havia, o pensamento ficava longe disso. Preferíamos gastar nossa imaginação com ocupações mais importantes.
Como falar mal da vida - da própria e , principalmente, da alheia. E fazer planos, mil planos, maravilhosos e completamente imbecis. Passar horas discutindo um único ponto, obsessivamente, irritando eventuais ouvintes. Ou, pelo contrário, evoluir de A a Z com uma naturalidade estonteante, só nós podíamos compreender. Acompanhando, qualquer coisa, refrigerante, cerveja, chá, gim, cigarro - ou até mesmo café, mas não da minha parte. E quando era tarde, e se precisar voltar, e não havia carro, era bonito ir a pé para casa, confabulando com estrelas e mendigos.
Para tomar um café como aquele novamente, eu até poderia bebê-lo.
ANDRÉ SIMÕES é escritor londrinense radicado em São Paulo e autor do livro 'A arte de se tomar um café e outros contos'.
Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.
Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:
- Ele foi tomar café.
A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um "cafezinho". Para quem espera nervosamente, esse "cafezinho" é qualquer coisa infinita e torturante. Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:
- Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.
Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:
- Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.
Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:
- Ele está? - alguém dará o nosso recado sem endereço. Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:
- Ele disse que ia tomar um cafezinho...
Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:
- Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí...
Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.
Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.
(Rio, 1939)
RUBEM BRAGA (1913 - 1990) escritor e jornalista brasileiro este conto é um trecho da obra 'O Conde e o Passarinho & Morro do Isolamento' publicado pela Editôra do Autor em 1964
Beijos e até semana que vem. Que tal aproveitar esse momentinho abrir o bloco de notas e escrever para mim. Estou aguardando suas histórias. [email protected]